spoiler visualizarAline 28/04/2024
Só uma boa narrativa para nos induzir a torcer por criminosos
Max de Winter, um aristocrata milionário, proprietário de uma das mansões mais famosas de Inglaterra (Manderley), matou a sua primeira esposa (Rebecca) e fez parecer um acidente náutico. A narrativa inicia arrastada, com a autora nos descrevendo como a sociedade via Rebecca e o casamento entre os dois: absolutamente perfeito, ambos apaixonados. Mais tarde, descobrimos ser tudo mentira. Rebecca é descrita por seu marido como um demônio, uma mulher falsa, manipuladora, egoísta e infiel. Como ele teme muito a humilhação pública, mantém a farsa do casamento até chegar ao seu limite e cometer o assassinato, ou seja, o famigerado crime de honra. A partir de então, Maxim é acossado não pela culpa, mas pelo medo de ser descoberto. Ainda assim, ele decide se casar com uma jovem acompanhante de uma dama endinheirada que conhece em Monte Carlo. A moça, muito mais jovem, pobre, sem família, com ar tímido, inocente e apagado, é exatamente o oposto de Rebecca, e por isso, penso eu, é escolhida por ele: alguém que não traga a lembrança da falecida e que lhe sirva de companhia em sua mansão ainda assombrada pela recordação da primeira esposa. A nova esposa, que não tem nome, o que combina com sua caracterização de mulher apagada, subserviente ao marido, assim como o cachorro Jasper, vive à sombra do que todos chamam a paixão de Maxim pela falecida esposa. Apenas quando o corpo de Rebecca é encontrado e Maxim está na iminência de ser acusado, é que ele conta toda a verdade à atual esposa. A partir disso, ela assume, finalmente, a posição de Sra. de Winter, apropriando-se da casa, sendo rigorosa com os empregados que a assustavam, em especial a Sra. Danvers, eternamente inconformada com a perda de sua amada Rebecca. Ela também se transforma em cúmplice do marido. Entende imediatamente as razões do crime e, mais bizarro, fica feliz que isso signifique que ele não amava a ex, mas sim a ela. É como se ela ganhasse vida, expressividade depois disso, algo triste e doentio, que é pautar a existência apenas no amor de uma única pessoa. Assim, ela ajuda o marido a mentir, a ocultar a sua responsabilidade. E não apenas ela, o administrador da casa (Frank) e até o investigador do inquérito não aceitam que tenha sido ele o assassino. E quando fica difícil de negar, entendem implicitamente os motivos que o levaram a agir daquele modo, e passam a trabalhar para encontrar provas que ajudem a inocentá-lo. E tais provas aparecem como uma solução divina: um médico revela que Rebecca estava doente, com câncer, e que morreria de qualquer forma dali a poucos meses. O magistrado conclui pela hipótese de suicídio por conta da descoberta da doença e tudo acaba bem, pois com dito no ínício, Max era um homem branco, aristocrata de família antiga, milionário, grande senhor de terras, figura importantíssima para região, e a solução não podia ser outra. E, ainda, como conforto psicológico, temos que o nobre Max apenas evitou que Rebecca sofresse com a doença, acabando com a sua vida antes. O pior é que me vi querendo que eles se safassem e tivessem um final feliz, culpa da narrativa autora, claro! Se houve alguma punição? Bem, Manderley é incendiada por vingança pela Sra, Danvers, mas imagino que, embora a nostalgia que Max possa sentir de sua infância no lugar, nem ele nem a esposa gostariam de continuar vivendo no cenário onde se sucedeu o episódio mais tenso da vida de ambos. Será que isso pode ser considerado uma punição?