Carlos Augusto Vasques 15/05/2024
Lido em 15/12/2023
Terceiro romance dessa escritora brasileira, no qual aborda, por meio da vida de uma médica, aspectos relacionados a empatia, vocação e ética, entre outros.
Cecília é uma pediatra estranha, para dizer o mínimo: embora exerça seu ofício de forma razoavelmente competente e seja bem sucedida em termos financeiros com seu consultório particular, difere muito do que se espera desse tipo de profissional. Ela trata com frieza seus pequenos pacientes e menospreza a aflição de pais e mães, com os quais é impaciente e intolerante. Além disso, demonstra não ter vocação para a profissão que escolheu, pois se limita a fazer o básico nos atendimentos que efetua, não vendo necessidade de se aprimorar continuamente. Ao auxiliar obstetras, Cecília prefere, por mera praticidade, cesarianas aos partos naturais, possuindo aversão a práticas mais humanistas e a profissionais como parteiras e doulas.
Mas a vida prega uma peça nessa pediatra infame e indiferente aos sentimentos alheios. Apesar da ausência de espírito materno e de sua incapacidade de criar vínculos afetivos duradouros, acaba se envolvendo com o pai de um menino cujo nascimento ela colaborou. Embora não nutra pelo amante um bem-querer genuíno, Cecília acaba desenvolvendo pela criança sentimentos profundos e desconhecidos para ela até então, o que só serve para encrencar ainda mais um relacionamento já complicado.
Na contracapa do livro há um depoimento de Fernanda Torres que resume bem a obra: "Impossível não se deixar seduzir pela fúria insana de Cecília, a pediatra canalha. Adepta da cesariana com data marcada, a doutora detesta crianças, doulas e partos humanizados, tem desprezo pelo sofrimento materno e checa o Apgar dos recém-nascidos com a indiferença de quem segue uma receita de bolo. Tudo é permitido aos que carregam um estetoscópio no pescoço, crê a moça na sua soberba médica. O humor vil de Del Fuego tanto choca quanto fascina, nesse cirúrgico absurdo literário passado no sacrossanto momento do parto".
Contada em primeira pessoa na voz de Cecília, a história prende desde o início graças ao comportamento tresloucado e insensível da pediatra, que enfilera atos bizarros em sequência. Ainda não havia lido nada de Andréa Del Fuego, que já conquistou o prêmio José Saramago (com seu primeiro romance "Os Malaquias") e que adotou esse pseudônimo em referência à Luz Del Fuego, dançarina brasileira dos anos 1940, que se apresentava nua nos palcos, enrolada em serpentes.