spoiler visualizarxumarskz 06/05/2024
Kim Jiyoung é todas as mulheres.
Fiz a leitura de "Kim Jiyoung, nascida em 1982" sem saber sobre nada do enredo, para me deparar com um livro muito denso e carregado de conhecimentos importantes para qualquer pessoa. Eu amei muito a experiência de lê-lo e queria compartilhar alguns apontamentos que fiz após terminar.
O primeiro ambiente que a autora nos coloca me deu uma sensação de que a Jiyoung era uma mulher desestabilizada e, não vou mentir, julguei um pouco antes da hora o porquê daquilo. Então, sem perceber, eu exerci do meu preconceito como primeiro pensamento. E eu não sei bem se foi uma intenção da autora, mas eu percebo isso agora após toda a crítica feita no livro acerca disso; que essa pressão social é muito problemática, mas muito normalizada e fica escondida nos costumes, regras e ditames da sociedade.
A autora coloca muito sobre a cultura coreana valorizar a figura masculina sempre e como isso afeta toda uma cadeia de situações, fazendo com que as mulheres, até mesmo quando crianças, cresçam normalizando comportamentos que as inferiorizam. Um exemplo disso que me deixou chocada foi a diferença na maneira de tratamento da avó para com o neto e para com as netas; as coisas do neto eram sagradas, o neto deveria permanecer intocado, as netas tinham que dividir um quarto enquanto o neto tinha um só para ele e, o pior de todos, o fato de que a avó criava o neto e não ligava para o cuidado com as meninas.
Outra coisa que a autora aponta é sobre o estigma de ser mulher e como isso aparece nas situações que mais importam, subentendido nas regras e nos costumes sociais, e como isso é mundial! Coloca-se que o mundo mudou, mas ainda hoje se tem maioria masculina em cargos de diretoria e gerência, ainda hoje temos maioria de monitores masculinos nas escolas e, ainda hoje, mulheres não são empregadas pois são ditas como instáveis e de permanência curta. E ela ainda coloca que esse estigma abrange a indústria farmacêutica, pois têm-se o pensamento de que não podemos tomar anticoncepcionais ou remédios de cólica, pois irão danificar o nosso puro útero, !!!O QUE É MUITO LOUCO!!! mas ainda acontece (quantas amigas que já me falaram isso). Sem falar dessa pressão em parto natural, colocando que a mulher precisa sentir dor, privando-a de direitos.
É muito louco como nós (e eu estou nisso) estamos sempre julgando e julgando, sem nunca tentar entender a posição dessas mulheres que batalharam diante dessa pressão social a vida toda. Por exemplo, como o trabalho doméstico e materno é desvalorizado e é alvo de muitas críticas em todo momento, e não tem ninguém para reconhecer que essas mulheres merecem se sentir elas mesmas.
Ainda, têm muitas partes da vida da Jiyoung que mexeram com algo dentro de mim (literalmente virei um gorila) e eu queria só colocar elas aqui: a mãe da Jiyoung tendo que abortar, para satisfazer a vontade do marido; a Jiyoung sofrendo um assédio de um louco na rua e o pai dela, invés de acolher, diz que foi por conta da roupa que estava usando; como o salário das filhas coreanas era usado para pagar e sustentar os irmãos na faculdade; e o caso de pornografia na empresa, quando os superiores, mesmo após terem degradado as vítimas compartilhando os vídeos, não entenderam sua culpa nisso.
Só muito tapa na cara e eu fiquei primeiramente muito irritada, mas depois as lágrimas só caiam por me sentir um pouquinho na pele da Jiyoung diante dessas injustiças que ela passou. O fato de que a autora combina tudo isso com dados reais deixa mais intenso e significativo, além de que ela traz uma escrita muito fluída e que te prende ao livro, sem deixá-lo desinteressante.
O final do livro coloca a situação do psiquiatra e essa dualidade de que ele entende o caso da Jiyoung e da esposa dele, mas que ainda carrega preconceitos e costumes misóginos. Isso só reforça o fato de que nós mulheres é que precisamos nos unir contra essa pressão social, pois os homens não entendem e não querem entender; mostra também como eu romantizava a cultura coreana e como ela está tão próxima do que acontece na brasileira. Enfim, leiam e pensem sobre isso, literalmente mudou a minha vida.