de Paula 09/01/2023
Senhores do engenho e decadência
Este foi o primeiro romance escrito por José Lins do Rego, um autor paraibano do modernismo que buscava, assim como amigos contemporâneos, entender as bases do Brasil através de suas histórias, neste caso, focados na monocultura da cana e na produção do açúcar, prestes a entrar em decadência com o presidencialismo e o pseudo fim da escravidão. Por ser o primeiro livro de uma série relacionada a decadência dos senhores do engenho, é tido como romance de formação do menino Carlos, que se vê obrigado a viver com o avô aos 4 anos, após uma tragédia familiar. Acompanhamos seu crescimento até os 12 anos, quando ele vai para o colégio interno religioso aprender o que precisa. Após este primeiro volume, podemos acompanhar o personagem nos demais livros do Ciclo da Cana-de-açúcar, mas, vou me ater apenas a este.
Com a fortuna crítica inserida na edição, é muito mais fácil compreender os objetivos do autor, o contexto social e quem foi José Lins do Rego, porque a história do livro está inteiramente ligada a própria vida dele. Começamos a acompanhar um menino de 4 anos que não entende sobre a morte, mas descobre que seu pai matou sua mãe e por isso, precisa ir viver no engenho Santa Rosa, com seu avô e outros parentes. Ele logo se adapta a realidade rural, crescendo com as crianças negras, embora, ainda exista um regime escravocrata bem claro nessas relações, como descrito sobre os cachorros do lugar: uns magros de partir a barriguinha, outros gordos e fortes encrencando com os desfavorecidos.
É bem claro para o leitor como o moleque é criado para comandar, embora seja igual aos empregados: não sabe ler, escrever, vivendo um dia de cada vez e se inspirando no instinto animal para sobreviver lembrando que não tem mãe e o pai vive em um hospício quase como indigente. Tem muito medo de se tornar louco, pois está na sua genética, mas tem muita imaginação e consegue viver bem apesar de algumas situações que presencia, como uma cheia que faz o engenho perder a produção daquele ano, a morte de um dos trabalhadores e até o sacrifício do seu animal de estimação.
Contado de forma leve, as entrelinhas nos entregam as nuances de que a forma que viviam os engenhos já não tinham espaço para o mundo do século XX. O nordeste já não tem a mesma influência política, o fim da escravidão escancara uma desigualdade social até ali desconhecida, os engenhos já não são a principal fonte de renda nacional e o avô de Carlinhos já não possui espaço em uma sociedade capitalista, pela bondade, respeito e préstimo que apresenta pelos outros seres humanos. Claro que, sinto o senhor do engenho aqui retratado igual ao Dom Corleone de Mario Puzzo, um homem fiel aos seus princípios e cuja maldade se justifica em sua bondade aos menos favorecidos, o que só existe na ficção, porque a realidade era mais dura para as pessoas que serviam a estes senhores feudais.
Uma leitura fluída, fácil e acessível, diferente de outros autores modernistas, que apresenta um Brasil até então desconhecido: o Brasil profundo. Falar de decadência era um dos motes da época, como A falência de Júlia Lopes de Almeida, mas não deixa de ser relevante e muito mais simples quando contado pelos olhos de um menino do engenho. Ótima leitura para quem quer conhecer mais sobre o nosso país.