@letravermelha 20/03/2024
Baita descoberta ler Lins do Rego!
Com fortes traços autobiográficos, Lins narra o menino Carlinhos que se vê órfão já aos 4 anos quando preciva viver no engenho com seu avô até os 12 anos. Lá ele rememora suas experiências familiares e amorosas onde desde cedo se vê nas aventuras de homem além de sua idade. Veremos então toda a formosura da nossa cultura, mas também os resquícios da escravatura pelo olhar desse menino tão observador quanto melancólico.
Em uma escrita fluída e por vezes cômica, o menino recém chegado na propriedade, narra sua convivência, a beleza e a simplicidade do interior, junto aos empregados do engenho. Contudo, a medida que amadurece, cresce também a percepção do seu pequeno mundo, pois há beleza sim, mas a sordidez, mesquinhez e a brutalidade também se faz perceber. Afinal, 1932, data de publicação desse romance, a abolição da escravatura era recente.
Na labuta melódica do engenho moendo, Lins do Rego descreve as desgraças que une a todos como um só sem distinção. Retrata um povo que enfrentava as tragédias climáticas, a fome e a miséria, sem perder a alegria de viver, o riso ou a felicidade, visto que não tinham riquezas, mas conservavam algo importante que nem a escravatura conseguiu tirar: Paz interior. Porque para suportar as agruras do trabalho forçado sem esmorecer, era preciso manter a alma leve enquanto lhes pasavam nos pés as correntes enferrujadas da submissão.
Por tudo que viu e viveu no engenho, Carlinhos tem sua personalidade mudada gradualmente para uma melancolia e pequenas angústias. Pois grande é a crueza da vida no sertão. Contudo, tão grande quanto, é sua beleza, e por ela os ex escravizados aprendiam a sorri nas desgraças, uma vez que se tem ar pra respirar e saúde pra viver. Se sentiam abençoados por Deus, já que não morriam de fome, tinham saúde, o céu, a lua , o rio, a chuva e as estrelas. Uma lição para os murmuradores, não?
A narrativa tem numa comicidade muito grande e todo o enrendo é descrito de maneira muito leve e simples, deixando o leitor captar nas entrelinhas suas críticas.
O final deixa uma sensação que o próximo livro do menino no internato vai dar pano pra manga. Uma bela de uma descoberta ler José Lins do Rego. Recomendo demais.