none 06/01/2022
Perfeito com seus defeitos
Primeira leitura do ano, primeiro livro do ciclo da cana de açúcar. Tinha lido muito por alto Fogo morto na escola, mas só tinha escutado falar sobre O menino de engenho. Depois de ler eu descobri o motivo de as professoras não terem pedido para ler esse livro...mas engraçado é que pediram para ler livros bem mais sapecas, como Macunaíma, Serafim Ponte grande, contos de Mario de Andrade, enfim. O texto de O menino de engenho é carregado da força da sua época. Claro que podemos e devemos enxergá-lo com os olhos de nossa época. Sempre com a noção de que a história tem traços hoje condenáveis que à época do autor eram comuns. Me refiro à deseducação do menino Carlos no engenho. Ele era ora tratado como bicho ora com mimos de boneco, seja pela tia, pela "professora" beijoqueira, seja pelos familiares. O seu olhar sobre aquele pedacinho de Brasil mostra a importância do livro. Como os seus antepassados tratavam ou consideravam os escravos - na base do chicote ou da engorda para justificar o regime e acusar a abolição por tornar os negros "vagabundos". Qual a ética dessas pessoas? O tio que engravida empregadas, primos que narram aventuras semelhantes, funcionarios que elogiam as escapadelas do patrão, justificando o comportamento do menino quando este faz o mesmo. Aos 12 anos... sem sequer estudar o básico. O segundo volume dá conta disso. O menino passará a ser nomeado, mas seguirá doidinho. Preocupado com o sangue, a herança da loucura do pai. O livro curiosamente é cheio de tiques. Elogia o sistema que descreve noutras palavras como bizarro. O menino depara com os absurdos da vida adulta, ainda mergulhado na fantasia infantil. A seca, a fome, enchentes, violência doméstica, pobreza, injustiça, são temas que são acompanhados pela visão de um menino aturdido pela perda da mãe, levado ao engenho do avô, e submerso em um mundo de crendices, quarto da tia bruxa velha, encantos da tia bela fada, sabedorias do avô e da contadora de causos Totonha, da faceirice das moças da cozinha, brincadeiras de moleques. Carlos ainda tem muito a aprender, mas sabe muita coisa pra um menino de sua idade. Daí a comparação (Distinção) com o personagem de o Ateneu, do Raul Pompéia, feita pelo próprio menino de engenho Zé Lins do Rego. Safado.