@lendoaos30 09/10/2020
Conheci Hilda Hilst de verdade há pouco tempo, com a leitura do incrível, maravilhoso e mais novo integrante da minha lista de favoritos “A Obscena Sra D.”. Soube depois, através de pesquisas sobre a autora, que ela tinha escrito uma “tetralogia obscena”, que foi recentemente relançada sob o título de Pornô Chic. Depois de ler sobre a Sra D. e ver algumas entrevistas de Hilda, a curiosidade pela leitura da tetralogia se aguçou, e resolvi começar então, pelo primeiro livro, “O Caderno Rosa de Lori Lamby”. O choque foi imediato: de primeira já temos a apresentação da narradora, a escritora do tal caderno rosa, Lori Lamby, uma menina de 8 anos que conta, sem qualquer tipo de censura, narrativas de seus encontros sexuais com homens mais velhos, pelos quais ela recebe dinheiro com a anuência de seus pais. Seu pai, um escritor que quase não é lido (e lembra bastante a própria Hilda), vive brigando com sua mãe, pois precisam de dinheiro, precisam vender, e Lori acaba ajudando nessa parte. A escrita de Hilda é assustadoramente similar ao que se esperaria de uma criança da idade da narradora e o fato de não haver qualquer tipo de restrição por parte da autora no uso de palavras, expressões e descrições obscenas é, minimamente, chocante. Confesso que a leitura me deixou incomodada, enraivecida e até mesmo enojada. Quando há um momento em que é contada uma outra história dentro do caderno de Lori Lamby, a situação consegue ainda piorar. Claro, o final nos surpreende e traz um certo alívio à toda a tensão anterior, mas nem tanto. É como se levássemos um soco na cara, respirássemos aliviados quando a dor passasse e, segundos depois, um soco no estômago se seguisse. A julgar pela minha descrição, talvez pareça que não gostei do livro, o que de certo modo é verdade. Mas não posso negar a genialidade da crítica e da provocação de Hilda Hilst. Ela foi bem clara em seu objetivo: seus livros não vendiam, não eram lidos. Então, escreveu aquilo que as pessoas gostariam de ler: pornografia, sexo, vulgaridades. Essa crítica pesada de Hilda a toda uma hipocrisia do meio literário e das pessoas em geral está clara como água na narrativa de Lori Lamby e se a leitura chocou a cada segundo, é porque Hilda quis que fosse assim, planejou cada palavra e cada ação descrita para que os sentimentos que me acompanharam durante a leitura fossem exatamente esses. Por isso, palmas para Hilst. Não indico o livro para qualquer um. É preciso ter estômago, maturidade e, principalmente, conhecer Hilda para compreendê-lo e, de certo modo, apreciá-lo. Acabo, infelizmente, me vendo como um dos famosos críticos de Hilda: leio, admiro, mas não recomendo. Ao menos não para todos.
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