Danilo Andrade 21/06/2022Entendi o significado de Homérico.Cansei de me deparar com listas como "100 clássicos para ler antes de morrer", e a Ilíada e Odisseia sempre estar figurando entre uma das primeiras sugestões, e como sou curioso, sabia do que se tratava bem antes de pegar para ler, mas me faltava a coragem de enfrentar um texto primevo e colossal como este. Entretanto, assim que percorri as páginas de introdução e prefácio, me vi arrebatado pelos conflitos que estariam por vir, os planos que os deuses poriam em marcha, (sim, Homero sempre deixa claro o que irá acontecer, nada de surpresa, sempre seguindo o fio da trama das moiras, fazendo-se sempre porta voz das Musas), e mesmo assim me mantive fascinado com o enredo, simples e visceral, com extensas descrições dos combates, epítetos frequentes, mas sempre com a impressão de estar diante de um bardo em praça púbica, em completo êxtase ao declamar profusamente seus versos, que ecoariam por vastas veredas temporais, e talvez feitas com tal presunção.
Vemos que as motivações humanas, em empreender seus combates e perpetuar sua honra e glória tomam proporções titânicas! Não raras vezes, fechei os olhos e tentei contemplar as faldas do monte Ida, entre as planícies troianas, o panteão acocorado, reluzindo suas vestes suntuosas, assistindo a tragédia humana ora com deleite, ora com pesar e apreensão, algo demasiado humano, e talvez resida nisso a beleza inerente da epopeia.
Em retrocesso, agora entendo um pouco mais sobre o resgate que Nietzsche procura fazer ao abordar textos antigos como Ilíada e Odisseia, sobre os valores cultivados e compilados neste texto "fundador" por assim dizer. Os valores aristocráticos, que separavam homens por seus atributos tidos como divinos, e feitos em batalha, seja a coragem, temperança ou sabedoria, associadas à superioridade, e a capacidade de conviver com a realidade natural que os cerca, por entre as desgraças que se tornam tão patentes quando sua vida está entre o fio de uma espada, na ponta de uma lança, e entre as camadas de um brônzeo escudo. Uma postura filosófica que Nietzsche encontra como pilar de seu "Übermensch ", e "Amor Fati" séculos depois.
Vejo que apesar do estertor que é estar diante do destino funesto da morte, o homem pincela suas incertezas, medos e repressões em deidades muito similares às suas, e eleva à arte. E por mais pueril que isso possa parecer, vejo como "divino" um clássico que consegue transpor milênios e ainda assim comover minhas inseguranças demasiadamente humanas. Sem dúvidas, feitio somente de grandes poetas.