Brulibooks 31/05/2024
É tempo de morangos
A hora da estrela - Clarice Lispector
É tempo de morangos. Talvez você já tenha visto essa frase antes, talvez não. Me recordo da primeira vez que li esse livro. Eu tinha entre 15 e 16 anos e pensei ter compreendido o que ela quis, com Macabéa, explicar sobre esse "tempo de morangos" (a famosa última frase do livro). Hoje, relendo a obra pouco mais de uma década depois, observo a atemporalidade e o primor de Clarice em possibilitar interpretações únicas e pessoais. E o que escrevo aqui é a simples opinião de uma leitora (ainda) em formação. Ler Clarice é uma experiência altamente recomendável. E talvez eu possa te dizer (ou escrever) o motivo.
A hora da estrela é o último livro de Clarice Lispector, lançado em 1977, pouco antes de sua morte. Por isso é considerado também uma despedida. Aqui já deixo um adendo: não se engane pelo número de páginas, elas são mais do que suficientes para te levar a (muitas) reflexões. Confesso que ao terminar, fui buscar interpretações da obra e encontrei muitos textos, em sua maioria acadêmicos, incríveis.
Mas falando do que interessa a quem veio aqui saber sobre o livro, temos nesta obra a presença de um narrador, conhecido como Rodrigo S.M. É por meio dele que conhecemos a história de Macabéa, uma alagoana que agora trabalha como datilógrafa no Rio de Janeiro. Orfã e criada por sua tia, Macabéa é desprovida também das percepções de mundo e, porque não, de sua própria existência ("Estava habituada a se esquecer de si mesma.").
José Olimpico é o oposto, sempre provido de "opiniões e percepções", principalmente sobre Macabéa. O clássico "sabedor de tudo" sobre quem nunca quis conhecer de verdade. Meras opiniões irrelevantes. Mas infelizmente relevantes para Macabéa, conformada com sua vida e seu jeito de ser ("Macabéa era na verdade uma figura medieval enquanto Olímpico de Jesus se julgava peça-chave,..."). Acho que não preciso escrever muito mais para que você perceba o comportamento comum a que Macabéa (e nós) é exposta. Talvez a crítica seja mais perceptível quando tratada na "ficção".
Glória é a colega que desperta interesse em Olímpico. Ele vê nela uma forma de progresso e decide fazer uma troca. Aqui vejo a idealização do "ser mulher", do ponto de visto masculino e feminino, principalmente de Macabéa à situação (Macabéa entendeu uma coisa: Glória era um estardalhaço de existir.").
Para aliviar a sensação de culpa, Glória indica a cartomante que previu seu namoro com Olímpico à colega, que resolve dar uma chance para, afinal, saber seu futuro. Ali, é o momento que enche-se de esperança pelas palavras da cartomante. Finalmente um futuro feliz e promissor.
Caso você ainda não tenha lido A hora da estrela, não se atenha tanto às palavras da cartomante. Ou melhor, não confie seu futuro a outra pessoa, que não a si mesmo. Caso já tenha lido, não se esqueça que apesar de tudo, ainda é tempo de morangos.
A verdade é que não existe um verdadeiro ou único motivo para ler Clarice. Você vai encontrar vários ao tentar entender sua forma única de usar as palavras.