Aione 30/06/2021A Garota de Papel foi meu segundo contato com a escrita de Guillaume Musso, que me conquistou por completo em O Chamado do Anjo. Em um estilo semelhante ao encontrado em sua outra obra, também publicada pela editora Verus, mais uma vez me encantei pela habilidade e criatividade do autor.
Tom Boyd é um escritor que estourou com a publicação dos primeiros dois livros de sua trilogia. Porém, após o ápice do sucesso, se viu em uma espiral descendente devido a uma crise amorosa. Em face de um bloqueio criativo que o faz acreditar que jamais será capaz de voltar a escrever, ele recebe a visita inesperada de Billie, uma personagem de seus livros saída diretamente das páginas. Ela, então, faz um apelo: que ele volte a escrever, senão ela morrerá.
A escrita de Guillaume Musso é leve e com toques divertidos. Apesar disso, o livro traz uma mescla de gêneros, que vão do romance ao suspense, passando por aventura e momentos de maior intensidade dramática. A narrativa também é variada: em primeira pessoa, pela perspectiva de Tom, trazendo inclusive alguns flashbacks; em terceira pessoa, pela perspectiva de personagens diversos; em formato de matérias em sites e revistas, no início do livro.
O que mais gostei em A Garota de Papel foi sua relação direta com a literatura e o fazer poético. O romance faz praticamente um elogio aos livros e à importância da leitura, demonstrando o quanto ela pode nos ajudar — e até salvar — em momentos de dificuldade. Em uma leitura simbólica, toda ação presente no enredo poderia ser interpretada como a dificuldade encontrada por escritores durante a produção de um romance. Ao mesmo tempo, a obra traz a todo momento o contraponto entre ficção e realidade. A ficção pode funcionar como escape; porém, ela também é limitada e não consegue capturar com precisão as sensações de uma vivência real. Essa oposição está presente, ainda, na própria estrutura do livro, seja por nos perguntarmos se Billie é um componente de fantasia na história, seja pelos elementos ficcionais — como Tom e sua obra — serem citados em meio aos reais: o romance de Tom seria adaptado, na história, e estrelado por personalidades reais.
Entre as peças do suspense de A Garota de Papel estão o questionamento sobre a figura de Billie e o passado de Tom. Em relação a esse último, é interessante como Guillaume Musso demonstra a todo momento a tentativa do personagem de se afastar de suas origens e o quanto ele é incapaz de fazer isso — o próprio conjunto habitacional onde cresceu não fica muito distante de sua atual moradia. Porém, a visão sobre esse bairro periférico me pareceu não a de quem de fato cresceu em um, mas de quem jamais fez parte daquele meio e só tem a visão estereotipada da violência e decadência, como se o problema do local fosse individual, nas pessoas que lá residem, e não estrutural. Visões como essa são problemáticas do ponto de vista social, visto que continuam reforçando a ideia redutora e desumanizada de quem vive nesses locais e da arte lá produzida — como se ela fosse inválida ou ruim. Um exemplo disso é o rap, citado na obra.
No geral, adorei a leitura de A Garota de Papel, mesmo que tenha ficado incomodada com essa representação social, incluída no enredo apenas como elemento de suspense e motivação do protagonista. Fui completamente envolvida pela leitura ágil e divertida, e fiquei encantada pelas relações entre o real e o imaginário. Com certeza quero ler mais do autor!
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