Abduzindolivros 30/05/2024
No final das contas nada acontece feijoada
Al Templeton descobre um portal para o ano de 1958, e durante muito tempo o utiliza a fim de comprar carne barata para sua lanchonete. Até que vem uma ideia: impedir o assassinato do presidente John Kennedy em novembro de 63.
Consumido pelo câncer, Templeton se vê incapaz de realizar a tarefa, então planta a ideia na mente de um de seus clientes mais fiéis: o professor Jake Epping.
Essa história me deixou dividida. Tem aspectos que gostei muito, e umas coisas que me deixaram ?aham, senta lá, King?. Vou começar pela parte boa.
Os personagens do King sempre são incrivelmente bem feitos. Ele coloca características muito específicas em cada um, trejeitos, ideias, modo de falar, desenvolve suas histórias... Do núcleo principal ao coadjuvante que só aparece uma vez, Stephen King não deixa ninguém sem atenção ou sem camadas de profundidade.
Gostei de Jake Epping, do Al, e dos outros que surgiram depois. Uma personagem importante, a Sadie, também me cativou. Me importei com ela nos seus piores momentos (terei um porém mais à frente, calma lá) e com os outros, também.
Outro personagem cuja construção me impressionou foi o Lee Oswald. Se trata de uma figura histórica, real, e foi tão bem narrado que é como se o King realmente tivesse voltado ao passado e acompanhado o assassino de Kennedy em todos seus passos, durante anos! O autor deve ter feito uma pesquisa muito intensa para ser tão convincente.
Tive medo que a trama descambasse para um lado político meio preguiçoso. Se a reviravolta fosse do tipo ?salvei o Kennedy, voltei ao presente e agora os Estados Unidos estão perfeitos como o jardim do Éden?, eu ficaria muito frustrada. Mas, na minha opinião, o King conseguiu entregar uma ideia diferente disso, e que foi mais interessante.
A cena na qual o Jake persegue Oswald para impedi-lo de assassinar Kennedy foi muito boa de ler. Frenética, empolgante, teve ritmo, deu para visualizar cada detalhe e sentir o que os personagens sentiam. King mandou muito bem.
Contudo, há dois pontos cruciais que impedem esse livro de ser marcante, para mim. O primeiro é o casal Jake e Sadie. Quando ele volta no tempo, conhece essa moça, ambos se apaixonam, vivem um romance, ficam noivos, planejam se casar... Mas não me passaram firmeza em sua história de amor. Apesar de eu achar fofas as coisas que o King escreveu sobre eles, a ideia que eu tinha era que ambos não passavam de peguetes ocasionais.
E, apesar de ser bem escrita, bem pesquisada, com personagens excelentes, referências aos queridinhos It e Torre Negra... a história não leva a lugar algum. Ela começa e termina no mesmo ponto. Eu terminei, fui tomar banho, e fiquei pensando ?tá, na prática, nada aconteceu. Nada mudou. Nada serviu de nada.?
E assim, gente, nem todo livro precisa ter uma mensagem profunda e ensinar lições para o leitor, mas é bom se entreter lendo uma jornada que leve a algum lugar, que mude algo pelo menos para o protagonista. Pode-se argumentar que a jornada mudou o Jake de alguma forma, mas foi uma mudança muito fraca para convencer.
No final das contas, é uma história que ?ah fodase?. Não achei ruim, por conta do desenvolvimento e dos personagens (que funcionaram bem, individualmente; só algumas relações não me convenceram), apenas achei irrelevante. Não foi um livro que mexeu comigo.
Mas, fica aí a lição: o passado é obstinado e não quer ser mudado. Então, se você achar uma toca de coelho para o ano de 1958, apenas volte lá para comprar carne. É isso.