Valério 27/10/2016
Pequeno grande Pip
“Grandes esperanças” é considerado por muitos como a obra prima de Charles Dickens. Não por demérito da obra, mas por mérito de “Um conto de Natal”, considero este último uma obra superior.
Contudo, em ambos, o ponto fundamental é muito bem explorado pelo autor. O que realmente tem valor? A contraposição de fortuna monetária e fortuna de amor? Sim, parece clichê. Aqui parece. Mas não no livro. Pois é subjacente e conclusão que se chega sem se falar. Basta ler.
Pip é um garoto pobre que foi criado pela irmã durona e que o espanca. Mal tratado por todos que visitam a casa, que ralham com o pequeno, o beliscam e puxam sua orelha. O marido de sua irmã, Joe (o personagem mais cativante da história) é um homem simples, bom, amoroso, o único que valoriza, protege e ajuda Pip. Alma de criança, humilde, mas sábio. De pouca inteligência, ninguém o vê. E Pip e Joe são, inevitavelmente, os melhores amigos. Uma amizade de fazer inveja. Espontânea, sincera, sem cobranças, pura.
Acontece que um benfeitor – que exige que sua identidade não seja revelada nem a Pip – surge na história e resolve dar ao menino a oportunidade de se educar e viver uma vida de luxos e regalias.
Imagine-se os efeitos de, repentinamente, um pobre garoto se ver em Londres, com dinheiro e frequentando círculos de pessoas elegantes, podendo esbanjar dinheiro que cai do céu.
É neste momento que nós, humanos, fraquejamos. E não foi diferente com Pip. Novo, ainda imaturo, vê o mundo cair a seus pés. E então, passamos a quase deixar de gostar de Pip. Mas é apenas um garoto perdido entre dois mundos contrapostos.
Assombra a facilidade com que Pip se esquece de tudo que tinha de mais valioso até então.
E o aprendizado será duro, com dor e sofrimento.
E nesse bem embolado roteiro, temos ainda muitos elementos:
A mulher que, abandonada no altar, nunca mais tirou o vestido de noiva e não deixou sequer que desmontassem a mesa preparada para a festa. Tudo à sua volta apodrece, assim como ela, que criou o seu próprio inferno, para o qual atrai, feito moscas na teia, as pessoas em sua volta (Pip é uma delas).
O prisioneiro fugitivo que Pip ajudou logo no início do livro e que o assombrará pelo resto do livro.
A bela menina que deixa Pip enfeitiçado, num misto de amor, raiva e ressentimento e que o faz querer ser um cavalheiro.
Enfim, um livro para lembrarmos dos valores reais, percebendo o quão ilusórios são os sucessos que valorizamos.