Stella F.. 15/07/2022
O mundo estava calado quando nós morremos
Meio Sol Amarelo – Chimamanda Ngozi Adichie – Companhia das Letras – 2022
“Este livro se baseou na guerra Nigéria-Biafra de 1967-70, porém algumas liberdades foram tomadas, em nome da ficção; minha intenção é retratar minhas próprias verdades imaginadas e não os fatos da guerra. Ainda que alguns personagens tenham como base uma pessoa real, seus retratos são fictícios, assim como os eventos dos quais fazem parte.” (pg. 501)
Esse romance forte, triste e muito bem desenvolvido está dividido em quatro partes, sendo que duas se passam no início dos anos 60 e duas no fim dos anos 60. Aos pouquinhos vamos conhecendo os personagens e suas características pessoais, como família, profissão, ideologias, seus aspectos psicológicos e seu amor pela Nigéria. Os capítulos são intercalados entre os personagens Olanna, Richard e Ugwu, mas outros dois personagens muito importantes fazem parte desse círculo como Odenigbo e Kainene, além dos personagens reais de Ojukwu e Gowon.
Olanna e Kainene são irmãs gêmeas, mas completamente diferentes entre si. Olanna de uma beleza ímpar e Kainene considerada feiosa. Olanna mais sociável e Kainene mais direta e seca. Olanna se apaixona por Odenigbo, um professor revolucionário que trabalha em Nsukka, na Universidade da Nigéria, e Kainene por Richard, um jornalista britânico que se interessa pela arte nativa vinda das aldeias simples e das tribos que compõem o país. Já Ugwu é um menino de aldeia, muito pobre, muito simples que virá trabalhar na casa de Odenigbo como empregado, e lá vai se desenvolver, aprender a ler, estudar e amar essa família.
Acompanhamos os relacionamentos familiares entre os amantes, com suas famílias e com os amigos em uma Nigéria ainda tentando encontrar o seu rumo, com a recente independência da Coroa Britânica. Em meio a isso vemos as diferentes tribos, como igbo, hauçá, iorubá, e outras pequenas divisões, começando a se desentender por ter sido determinado pela Coroa que o governo fosse do Norte (hauçás) e acirrando uma antiga inveja pelo povo igbo que ficava predominantemente no Sul, mas possuíam o petróleo e em geral eram mais ricos.
Ocorrem dois golpes, onde os igbos são exterminados nas ruas , são surpreendidos e não tem como se salvar. Em represália, os igbos se revoltam e partem para a criação de Biafra com uma nova bandeira e um novo hino. Estão confiantes na vitória de Biafra, mas não, suas cidades são invadidas obrigando aos residentes a fugirem de suas casas sem levar nada, os mantimentos são bloqueados pelo exército nigeriano, há um mercado negro onde pessoas são feitas reféns, são necessários campos de refugiados e vê-se muita pobreza e fome. Crianças dos dois lados são feitas soldados e morrem por falta de treinamento.
Essa guerra dura três anos e vemos Olanna e Odenigbo saírem em busca de moradia, que depois perdem novamente, e ao final moram em um quartinho. Entre os casais surgem traições e desentendimento entre as gêmeas. Olanna vai adotar uma filha de Odenigbo e Kainene vai trabalhar diretamente com refugiados. Odenigbo fica à frente de um escritório de guerra e Richard passa a escrever para um jornal sua visão de guerra, considerada “importante” por ser branco.
“Mais tarde, quando ambos já tinham sido levados às pressas até a pista, corrido até os aviões, e os aviões decolado na luz que acendia e apagava, Richard descobriu o título do livro: “O mundo estava calado quando nós morremos”. Escreveria esse livro depois da guerra, uma narrativa da difícil vitória de Biafra, uma acusação para o mundo.” (pg. 432)
Ugwu vai ser surpreendido e obrigado a ir para a frente de batalha, cometendo lá um delito que o fará perder a inocência e acreditar que não é uma boa pessoa afinal.
“Entretanto a visão alternativa, de que a morte não era mais que um silêncio interminável, lhe parecia improvável. Havia uma parte de si que sonhava, e ele não tinha certeza de que essa parte conseguiria recuar dentro de um silêncio infindável. A morte era o saber em sua totalidade, mas ele tinha medo justamente disto: de não saber de antemão o que ficaria sabendo.” (pg. 455)
As imagens de Biafra estão no meu arquivo de memórias, talvez as tenha visto quando pequena ou as tenha estudado em algum momento na escola, mas esses e outros eventos históricos se perderam em meio a tantos outros. Agora lendo este livro fui pesquisar as cidades citadas pela autora, pesquisar as tribos e suas principais localizações dentro do país e encontrei um ótimo texto que faz um contraponto entre Meio Sol Amarelo (2006) de C. Adichie e A História de Biafra: O Nascimento de um Mito Africano (1977) de F. Forsyth. A análise do autor do artigo científico, João F. A. Freitas (Anais do SILIAFRO. Volume, número 1. EDUFU, 2012) é bastante interessante e elucidativa.
“A publicação de seu segundo romance é uma constatação cristalina de que Adichie construiu uma narrativa pós-colonial transcultural, caracterizada pelo posicionamento do autor na diáspora e pela diluição ou fragmentação da nação como um ponto de referência narrativo.” (Fraser, 2000 apud Freitas, 2012)
Amei a leitura e achei que ficou bem mais emocionante, interessante, apesar da aspereza dos fatos, a partir da segunda parte. Recomendo fortemente.