Augusto Jr. 19/09/2013
Nunca pensei que reler um livro seria ainda mais prazeroso!
"Antes de começarmos, você precisa se lembrar que sou um Edena Ruh. Contávamos histórias antes do incêndio de Caluptena. Antes de haver livros em que se pudesse escrever. Antes de haver música para tocar. Quando a primeira fogueira crepitou, nós, os Ruh, já contávamos histórias no círculo de sua luz bruxuleante." - Kvothe.
E assim começo a minha resenha de 'O Nome do Vento', o primeiro livro do escritor Patrick Rothfuss, o Primeiro Dia da trilogia A Crônica do Matador do Rei.
A história do livro fala de Kvothe, um protagonista incrivelmente diferente de tudo aquilo que você já conheceu em suas leituras. Kvothe não é um simples herói, na verdade, a palavra simples deverá ficar longe de sua definição. Ora herói, ora vilão, um homem misterioso e acima de tudo um gênio por natureza. Não esqueça: ele também é músico. Um personagem magnífico, cabelos cor de fogo e olhos de um verde misterioso, ele é "único" na melhor das definições.
"Meu nome é Kvothe, com pronúncia semelhante à de “Kuouth”. Os nomes são importantes, porque dizem muito sobre as pessoas. Já tive mais nomes do que alguém tem o direito de possuir. Os ademrianos me chamam de Maedre, o que, dependendo de como é falado, pode significar “A Chama”, “O Trovão” ou “A Árvore Partida”. Meu primeiro mentor me chamava de E’lir, porque eu era inteligente e sabia disso. Minha primeira amada de verdade me chamava de Duleitor, porque gostava desse som. Já fui chamado de Umbroso, Dedo-Leve e Seis-Cordas. Fui chamado de Kvothe, o Sem-Sangue; Kvothe, o Arcano; e Kvothe, o Matador do Rei. Mereci esses nomes. Comprei e paguei por eles. Mas fui criado como Kvothe. Uma vez meu pai me disse que isso significava “saber”. Fui chamado de muitas outras coisas, é claro. Grosseiras, na maioria, embora pouquíssimas não tenham sido merecidas. Já resgatei princesas de reis adormecidos em sepulcros. Incendiei a cidade de Trebon. Passei a noite com Feluriana e saí com minha sanidade e minha vida. Fui expulso da Universidade com menos idade do que a maioria das pessoas consegue ingressar nela. Caminhei à luz do luar por trilhas de que outros temem falar durante o dia. Conversei com deuses, amei mulheres e escrevi canções que fazem os menestréis chorar. Vocês devem ter ouvido falar de mim." - Kvothe.
Os primeiros capítulos do livro são narrados em terceira pessoa, onde Kvothe atende pelo nome de Kote, sendo um "mero" taberneiro e dono da Pousada Marco do Percurso, ainda deixado de fora da história. Você ainda não sabe que Kote será o principal dessa história, até o ignora, mas de algum modo já sente um mistério se manifestar aos poucos diante dele. Sua fiel clientela composta pelo velho Cob (contador de histórias e distribuidor de conselhos dos quais ninguém ousa seguir), Graham, Jake, o aprendiz de ferreiro e Shep (ouvintes de Cob) bebem e jantam ouvindo o velho falar sobre o Taborlin e o Chandriano (guarde bem esse nome 'Chandriano', o mais temível e enigmático vilão) até que Carter, um dos amigos do grupo, chega à Pousada. Carter chega, mas traz consigo vários ferimentos, alguns gravíssimos. Antes de você saber quem causou os ferimentos em Carter, é dito ainda nas primeiras páginas que o mundo em que se passa a trama está em guerra. As estradas estão infestadas de ladrões, desertores, mercenários e o pior: demônios que surgem na escuridão, mas isso é algo que nem todos acreditam. Carter diz que foi atacado por uma aranha do tamanho de um cavalo, de garras afiadas e, antes que todos duvidem dele, o homem trouxe consigo a prova cabal do que lhe atacara. Aos olhos dos homens comuns não letrados ou embevecidos pela sapiência arcana: é uma aranha, mas aos olhos de Kote é um Scrael, logo ele revela aos outros o que de fato é a criatura. Neste exato momento você descobre que Kote é mais do que um simples taberneiro, o mistério fica ainda maior quando Bast, seu aprendiz, surge e troca algumas palavras com Kote (Bast chama o Kote de Reshi, sendo mais um nome "uma graduação, talvez" do Kvothe) sobre o que acontecera com Carter.
Os primeiros capítulos servem como um teste pra fisgar o leitor. Você pensa que será mais uma história comum, boa mas comum, de um homem que usa uma identidade falsa para esconder o herói que há em si. E deduz que Kote irá matar os Scrael e um feiticeiro perverso em algum lugar que deve ser o responsável por isso. Mas com o passar das páginas você é pego de surpresa e se depara com algo imprevisível. É aí que você resolverá não deduzir o que acontecerá daqui pra frente, apenas ler e viajar na história.
Com a chegada de Devan Lochees, o Cronista, é quando tudo realmente começa de fato. Pelo que entendi, o Cronista conheceu um amigo de Kvothe, o Skarpi (no decorrer da leitura você saberá quem ele é), e através de Skarpi o Cronista ouviu as histórias de Kvothe. O que quero dizer é que o Cronista é um escriba, um tipo de historiador que busca desvendar a verdade por detrás das lendas. Agora você sabe quem é Kote, seu nome verdadeiro e quem ele foi, mas saberá por suas próprias palavras, ele contará em três dias toda sua história ao Cronista, que transcreverá sua biografia. E, assim começa o 'Primeiro Dia' da Crônica do Matador do Rei.
A partir de agora a história passa pra primeira pessoa, Kvothe conta sua história desde sua infância, quando era membro da trupe intinerante dos Edena Ruh, cujo líder era seu pai. Das viagens que faziam e dos espetáculos que apresentavam em diversas cidades. Em uma delas, Kvothe conhecerá o primeiro arcanista de sua vida, o latoeiro chamado Abenthy (que chamará "O nome do Vento" - você entenderá melhor isso no decorrer da história). Abenthy é o primeiro a perceber que Kvothe é uma criança diferente de qualquer outra, percebe que o garoto é dono de uma genialidade acima do normal. Abenthy pede autorização aos pais de Kvothe, e passa a ensiná-lo as primeiras matérias para que ele torne-se um arcanista.
Você verá que Kvothe é realmente uma criança superdotada, dono de uma inteligência e curiosidade acima do normal. Mas é por causa de sua curiosidade que acaba por levá-lo a avançar etapas importantes em seu aprendizado, algo positivo e ao mesmo tempo negativo, pois quase morreu por causa disso. Abenthy começa a perder o encantamento por Kvothe, percebe que o jovem é apressado. Imprudente poderia ser a palavra certa, mas você verá que não é pra tanto. E, chega o dia em que Abenthy vai embora, mas não sem deixar um presente para seu aluno: um livro.
Em alguns capítulos a narração alternará de primeira pessoa pra terceira pessoa. É quando Patrick Rothfuss nos leva de volta à Pousada Marco do Percurso. Alguns desses momentos parecem meio arrastados, a narração ao meu ver peca um pouco. Mas a explicação pra isso é a curiosidade pra voltar a ler Kvothe narrar seu passado.
Acontecerá uma tragédia na vida de Kvothe. (Não direi o quê, já soltei alguns spoilers, essa tragédia eu deixarei você descobrir sozinho). Segure suas lágrimas.
Agora teremos Kvothe vivendo em Tarbean. Os capítulos nessa cidade estarão repletos de emoção, mas segure suas lágrimas novamente. O autor acerta no nível de drama. A vida de Kvothe em Tarbean é narrada de uma forma tão realista, que não importa que o mundo seja fictício, você percebe que o que acontece em Tarbean acontece em qualquer lugar: preconceito, miséria, violência e drogas (sim, há viciados, aqui eles são chamados de papa-doces. Ophalum - a droga. Os papa-doces ficam perturbados pelo excesso de dênera). Mas também há superação nos dias negros vividos por Kvothe, ele vai em busca de vencer na vida (Vale ressaltar que Skarpi surge em Tarbean, posso dizer que suas histórias sobre o Chandriano ajudaram Kvothe voltar a sonhar com a Universidade e saber tudo sobre Haliax, o Chandriano). Kvothe parte em busca de seu sonho: ir à Universidade e se tornar arcanista. A partir daí surgirá a personagem mais indecifrável de toda e qualquer história que eu li: Denna.
Kvothe resolver ir à Universidade. A Universidade é o lugar onde "formam" os arcanistas (um termo para magos, mas eles são mais do que isso, estudam vários tipos de ciências, uma vasta sabedoria e o principal: o nome das coisas - você entenderá tudo isso!). Com a chegada de Denna na história e a ida de Kvothe à Universidade, a história ganha mais emoção ainda, você estará viciado no livro, sua leitura entra num estágio compulsivo de devoração de páginas.
A vida de Kvothe na Universidade é algo fascinante. Rothfuss consegue criar um cenário que nos leva a se sentir dentro. É até possível sentir o cheiro de mofo dos livros do Arquivo (eu que na adolescência estagiei no Arquivo Morto da PRF, ajeitando estantes e mais estantes com processos antigos e empoeirados, sei bem do que tô falando!). A leitura nesse ponto traz um vocabulário mais rebuscado, torna-se um pouco complexa, pois algumas coisas vão soar estranhas (a língua Siaru, as simpatias, o nome das oficinas, linguísticas e por aí vai), mas isso fascina ainda mais e deixa um ar de que o lugar é realmente diferente de tudo que existe nas outras histórias.
Ainda na Universidade, surgirão os antagonistas: Mestre Hemme (um professor perseguidor, do tipo que todo mundo já teve) e o inimigo número um de Kvothe, o dito cujo Re'lar Ambrose (aquele tipo de garoto que se acha superior por ser rico, ter tudo e com um coração cheio de crueldade, inveja e sei lá mais o quê de ruim). Ah, não esqueça do Chandriano, ele não estará na Universidade, claro, mas o fato do Kvothe ir à Universidade é saber tudo sobre ele - se ele vai conseguir tal conhecimento sobre o Chandriano, você terá que ler pra saber o que o Ambrose aprontou e o que o Mestre Lorren fez com o Kvothe.
Como em todo lugar há pessoas boas e ruins, na Universidade o jovem Kvothe terá como melhores amigos a dupla Wilem e Simmon, mas surgirão outros que por mais que pareçam coadjuvantes terão sim uma importância na história, falo da Feila, Auri, Manet e principalmente os Mestres Lorren, Kilvin, Arwyl, Elxa Dal, o Reitor e de todos esses o mais importante: Mestre Elodin (o mais maluco, porém, você vai entender sua importância).
Sua vida na Universidade exigirá dinheiro para continuar estudando, com isso, Kvothe precisa ir até Imre (uma cidade vizinha) pra conseguir alguns Talentos (o nome de uma das moedas). É em Imre que a história consegue ficar ainda mais emocionante. A Taberna Eólica, um dos lugares mais importantes dessa cidade. Kvothe voltará a tocar alaúde, e deixo pra você a curiosidade do que acontecerá nessa Taberna. Alguns personagens surgem pra completar o elenco da história: Devi (a garota do dinheiro - uma personagem muito bem criada por Rothfuss, ela possui um ar perverso e legal ao mesmo tempo), além dela temos Deoch e Stanchion (donos da Eólica), sem esquecer do Threipe (um músico rico, mecenas de alguns músicos). Ah, não posso esquecer da Taberna Anker's do Anker (você vai saber a importância dele). Mas o mais importante de tudo em Imre é a gaita-de-tubos e o reencontro com Denna.
Nessas idas a Imre, Kvothe buscará por Denna. Denna usará vários nomes, mas você entenderá o motivo. A personagem Denna pode lhe cativar ou não, em alguns capítulos ela nos desperta um fascínio, talvez pelos elogios em excesso feitos por Kvothe, mas em alguns capítulos você começará a questionar o jeito dela. Mas tudo isso será repleto de uma atmosfera de conquista e mistério. Quem nunca se apaixonou por uma garota da qual ficou muito amigo dela, mas teve medo de dizer o quanto a amava? (Isso aconteceu duas vezes em minha vida, me apaixonei por duas garotas, mas nunca disse o quanto sentia por elas - acho que entendo um pouco o lado do Kvothe! Rs). Bobagens à parte... voltamos pra história. A vida de Kvothe alterna entre Universidade e Imre, até ele ouvir boatos que podem levá-lo ao Chandriano e partir pra cidade de Trebon em busca de descobrir algo.
A história em Trebon, particularmente falando (entenda bem: essa é a minha opinião!), é um dos pontos fracos da história. Sua ida, o cavalo e a longa cavalgada até lá, até aí você acha interessante. Em Trebon a surpresa de achar Denna, o Dracus, tudo isso ficou meio sem nexo, mas há nexo de fato, só que pra mim faltou algo mais esplêndido. Por mais que o Kvothe tenha mostrado suas primeiras habilidades com a simpatia, mas na minha humilde opinião essa parte da história poderia ter sido mais elaborada. Isso não vai diminuir a beleza do livro, pois em Trebon você terá uma dose de emoção, suspense e risos pelo modo como vai desenrolar o final do Dracus e o incêndio da cidade.
De volta à Universidade, teremos mais acontecimentos dos quais não vou dar spoiler. Só posso dizer que "O Nome do Vento" será chamado. O ódio entre Kvothe e Ambrose irá aumentar. Os túneis da Auri, Denna e suas sumidas corriqueiras, Kvothe e seus planos sombrios em busca do Arquivo. Feila. Elodin. Re'lar. Bem, a história será contada em três dias, eu não vou dizer mais nada, mas resumi o primeiro dia. Leia e viaje numa história rica e diferente de tudo que você já leu.
O Nome do Vento é um livro fascinante, uma leitura viciante e com descobertas surpreendentemente novas na bagagem dos amantes do gênero Literatura Fantástica. Não é à toa que George R. R. Martin considerou o livro como "A Melhor Fantasia Épica de 2011".
Escolhi 20 ensinamentos e frases retiradas do livro que guardarei pelo resto dos meus dias:
1 - O dia em que nos inquietamos com o futuro é aquele em que deixamos a infância para trás. - Kvothe.
2 - Se há uma coisa que não tolero é a insensatez do orgulho obstinado. - Kvothe.
3 - Se você pretende impor sua vontade ao mundo, tem que exercer controle sobre aquilo em que acredita. - Abenthy.
4 - Na rua, ou a gente desenvolve uma sensibilidade para certas coisas ou tem uma vida miserável e curta. - Kvothe.
5 - O homem nunca deve pôr as mãos numa mulher, a não ser no amor. - Perial.
6 - Até o melhor dos cães é capaz de morder, se for chutado o suficiente. - Kvothe.
7 - Pedir para segurar o instrumento de um músico é mais ou menos como pedir para beijar a esposa de um homem. Quem não é músico não compreende. O instrumento é um companheiro e uma amante. Os estranhos pedem para apalpá-lo e segurá-lo com irritante regularidade. - Kvothe.
8 - O medo costuma provir da ignorância. - Kvothe.
9 - Teria mais sorte se tentasse roubar a Lua. Ao menos eu sabia onde procurá-la à noite. - Kvothe.
10 - Além disso, a raiva é capaz de nos manter aquecidos durante a noite, e o orgulho ferido pode instigar um homem a fazer coisas maravilhosas. - Kvothe.
11 - Não importa onde se esteja, as pessoas são basicamente iguais. - Kvothe.
12 - Quem pensa que os meninos são meigos e inocentes nunca foi menino, ou já se esqueceu como é. E quem pensa que os homens não são ferinos e cruéis de vez em quando provavelmente não sai muito de casa e com certeza nunca foi fisiopata. - Arwyl.
13 - Além disso, era contra minha natureza dispensar a oportunidade de uma refeição. - Kvothe.
14 - Como dizia meu pai, “há dois modos certeiros de perder um amigo: um é pedir empréstimos, outro é concedê-los”. - Kvothe.
15 - A música é uma amante orgulhosa e temperamental. Recebendo o tempo e a atenção que merece, ela é sua. Desdenhada, chega o dia em que você a chama e ela não responde. - Kvothe.
16 - A música tem um som diferente para quem a toca. Essa é a maldição do músico. - Kvothe.
17 - As palavras nunca me foram difíceis. Aliás, muito pelo contrário, inúmeras vezes acho fácil demais dizer o que penso, e as coisas correm mal por isso. - Kvothe.
18 - Nada faz um homem se sentir mais velho do que uma mulher jovem. - Deoch.
19 - Nós entendemos o quanto uma máscara pode ser perigosa. Todos nos transformamos naquilo que fingimos ser. - Bast.
20 - A sabedoria impede a audácia. - Auri.
Se você quer uma trilha sonora para sua leitura, recomendo os álbuns da banda Peter Crowley Fantasy Dream e da banda Akyrviron, ambos enalteceram a beleza deste livro.
E pra fechar, aqui fica o motivo d'eu ter escolhido o nome "Taberna" para o meu blog. Li esse livro em 2010, reli dias atrás pra fazer essa resenha e também pra começar a ler O Temor do Sábio. A inspiração do nome é essa: "Sempre gostei de tabernas. Isso vem de crescer na estrada, creio. A taberna é um lugar seguro, uma espécie de refúgio. Senti-me muito à vontade naquele momento, e me ocorreu que possuir um lugar como aquele não seria uma vida ruim." - Kvothe.
site: http://tabernadoputardo.blogspot.com.br/2013/07/o-nome-do-vento-resenha.html