Daubian 23/06/2021
Dupli-cidade
Quando assisti Metrópolis eu fiquei muito surpreso. Os efeitos práticos o tornam ainda surpreendentes mesmo quase um século depois. Não a toa, o roteiro dramático e exagerado é uma grande e bela metáfora do messianismo no capitalismo, mas também da opressão das máquinas e um ode aos sentimentos. Curiosamente, o nome de Thea é reduzidíssimo enquanto o de Lang é exaltado. O livro de Thea é bem trabalhado, uma ficção científica altamente inovadora, interessante, bem construída, temática e emocionante. Mas o livro é cheio de contrastes. A começar com as 2 Marias, a trama do livro. Tem a cidade alta, cidade baixa a dupla cidade que é um símbolo ótimo à desigualdade social e falta de ascensão social. O livro é super moderno com uma autora e uma protagonista feminina. O livro flerta com o fascismo. Ela era nazista e o Hitler adorou o filme, isso diz muito sobre a obra. Eles apresentam muito bem o problema, mas apelando a algo bíblico, um homem abastado teria que comandar os proletários burros e perigosos. Não a toa foi um sucesso no Reich. Acho que estamos vendo o poder terrível de entregar a sociedade na mão de Messias autoritários. Outra duplicidade se reflete na vida de Thea. Casada com um meio-judeu, amante de um indiano, cinematógrafa de Goebbles, quem teria em seu quarto uma foto de Hitler e outra de Gandhi? Como pode tal contraste? Talvez fica ai o maior problema do livro, as pessoas são complexas. Os santos e os demônios quase sempre são diluídos e é mais difícil de intermediar com o coração. Tirando isso, se é que é possível, é impressionante e atual a noção da fábrica que engole pessoas e máquinas que dominam os humanos. Interessante a se discutir na sociedade cada vez mais em que computadores regem a vida. O intermediário entre a internet e a política ainda deve ser o coração? Fica ai um ótimo livro, uma ótima história, uma ótima ficção científica e um ótimo filme. Debates são necessários e Thea precisa aparecer, mesmo que seja para expor sua duplicidade.