Lady of Swords 31/12/2020
É possível separar o autor de sua obra?
Metrópolis é uma daquelas obras que nos faz questionar: o quanto podemos separar a obra de seu autor?
Thea von Harbou é uma daquelas figuras que foram de suma importância para uma determinada área, porém foram praticamente varridas da história. Seja por seu nacionalismo extremo, que a fez se aliar ao Partido Nazista, ou apenas pelo seu gênero, que facilitou o furto de seu protagonismo em suas obras. Afinal, seu ex-marido, o famoso diretor Fritz Lang, nunca fez o mesmo sucesso depois que Thea deixou de produzir o roteiro de seus filmes.
Tanto no livro, tanto no filme, é possível enxergar a visão de mundo da autora: as massas precisam de um líder, e quando este líder é fraco ou injusto, precisam de um “messias” para libertá-las. Dado este fato, não surpreende muito o rumo que a vida de Thea von Harbou tomou, mas Metrópolis vem antes disso, o que nos dá uma “licença poética” para passar um pano, em nome da importância história da obra, mas sem jamais esquecer o criador por trás da criatura.
Agora falando sobre o livro.
Metrópolis foi uma das primeiras (senão a primeira) obra a citar um futuro distópico onde a classe privilegiada vive na superfície e a classe operária (ou qualquer outro tipo de classe empobrecida) vive no subsolo. A ideia, hoje saturada em três níveis diferentes, foi revolucionária para a época, escrachando em proporções absurdas o que já existia e existe até hoje: uma classe trabalhadora e pobre, que carrega nas costas uma classe rica e esbanjadora. Por mais que muitos sociólogos digam (e eu concordo) que o modelo de sociedade tão extrema quando o de Metrópolis não é funcional e/ou não se sustentaria por muito tempo, ainda é válido se tomarmos como uma forma caricata da verdade. É o início do que seria a nova caminhada do herói, adaptada ao capitalismo: uma pessoa privilegiada, que sofre um choque de realidade e passa a lutar em nome dos injustiçados de seu mundo.
De um lado temos Freder, filho do Senhor de Metrópilis, Jon Fredersen, que conhece apenas a vida de prazeres e diversões que o pai o pode proporcionar. Do outro, temos Maria, pertencente a parte mais empobrecida da sociedade e que é uma espécie de “líder comunitária”, que ao mesmo tempo que anseia pela liberdade e justiça pelos seus, prega a paz entre os operários com o discurso da espera pelo “messias” ou pelo “intermediador”.
A história se divide entre a trama de Freder, apaixonado por Maria, trava contra seu pai para libertar os operários, as tramas do pai para controlar o filho e seus operários, e o romance entre Freder e Maria, que segue o padrão quase shakespeariano do “amor à primeira vista entre dois membros de famílias rivais”; um amor quase que platônico.
Porém mesmo que tais conceitos estejam extremamente manjados ao pé da segunda década do século XXI, a fonte de onde todos esses clichês beberam ainda não secou, e Metrópolis ainda é uma obra muito gostosa de ler, por mais que muito pouco ou quase nada seja surpreendente. E com a vantagem de ser um dos primogênitos de uma era.
Não vou mentir: gostei do livro e gostei do filme. Mas aí eu paro para pensar sobre a autora e me pergunto outra vez: dá pra separar o autor de sua obra?