gabriel 20/11/2021
História mediana, filme clássico e bom material
É impossível falar deste livro sem falar do filme homônimo, o Metrópolis, de 1927. As duas obras estão associadas como gêmeos xifópagos, são braços de uma mesma coisa. Inegável, no entanto, que a obra cinematográfica seja muito superior. Isso não é nenhuma surpresa, já que o livro foi feito pensando no filme, sendo praticamente uma espécie de roteiro romanceado dele. A autora era esposa do diretor e trabalhava com ele, fornecendo roteiros aos filmes dele.
Que o filme é melhor que o livro, não há problema algum, a grande surpresa pra mim foi o quão ruim é o livro em si mesmo. Não achei muito bom, odiei o estilo de redação dela (apesar de ter alguns bons momentos), tudo é muito exagerado, pesado e sentimentaloide. Pode-se argumentar que isso é um traço do expressionismo alemão, e se é assim, então talvez eu não tenha aderência estética a esta escola. Ou então pode ser que seja uma porcaria, expressionista ou não.
Metrópolis é um esforço de imaginação futurista em plenos anos 1920, e entender Metrópolis é entender um pouco a nós mesmos cem anos atrás. Talvez ele diga mais a respeito daquela sociedade do que a um suposto futuro, ainda que ambas as leituras se interconectem. É uma obra extremamente influente, uma espécie de bisavô do chamado "cyberpunk" (que retrata futuros apocalípticos e pessimistas), bem como da ficção científica de uma maneira geral. A importância histórica, porém, não diz respeito à qualidade do livro, que eu achei muito baixa.
A primeira metade do livro foi a pior para mim. Esperava uma aventura crítica, pessimista, grandiosa, mas o que eu encontrei foi um texto quase que infanto-juvenil (no pior sentido que isso possa ter), porém sem as vantagens deste último (como leveza ou diversão). Seria, então, uma obra infanto-juvenil ruim e pretensiosa. O estilo é quase dos contos de fadas, com muita repetição de termos, imagens que vão se repetindo e pouco (ou nenhum) desenvolvimento dos personagens. Freder se apaixona do nada por Maria, o calcanhar de Aquiles dos piores romances. Mesmo boas obras pecam neste quesito. Aqui, o livro é medíocre e afunda bastante neste aspecto.
Muitos dos fatos do livro são confusos, e quase impossíveis de serem percebidos se a pessoa não assistiu ao filme. Não quero entrar muito em detalhes para não dar spoilers, mas um fato envolvendo certo objeto tecnológico fica perdido em meio à bagunça do enredo. Ela joga tudo meio de qualquer jeito e o leitor que se vire. Se fosse ao menos divertido, poderia valer a pena, mas é só incômodo, ainda que passe uma sensação factível de caos.
Mais para a última metade, o livro dá uma melhorada, pois ela é razoavelmente competente em descrever cenários apocalípticos. A linguagem grandiloquente dela (que soa bastante falsa na maior parte do tempo) acaba beneficiando este lado. A história também começa a ganhar mais emoção, tendo mais um lado de ação, sendo que no começo é só uma pasmaceira bocejante.
A crítica social do livro é ambígua e enigmática. Pode ser vista pela esquerda e pela direita tanto em tons críticos como elogiadores. Dizem que Hitler adorou o filme, tanto que contratou a Thea depois (a autora do livro), que se filiou ao partido nazista. Este é um dos fatos controversos que é explorado pelos textos de apoio, sabiamente colocados ao final do livro (sem aqueles odiosos spoilers, portanto).
A narrativa em si é "gaga", ela não tem fluência nenhuma, é tudo muito engessado, ainda que o texto consiga carregar alguma poesia dentro de si. Não sou grande fã de parágrafos longos, mas aqui ela exagera, mas no sentido oposto: tudo é muito curto, as sentenças são sumárias, alguns parágrafos são compostos apenas de uma frase. Falta uma fluidez ao texto e ele é bem desagradável de ler.
Ela passa uma sensação de quem está genuinamente se empolgando com a própria história, o que dá um ar amador, falso e exagerado a ele. Em vários momentos ela completa as frases com "sim, sim, aí ele fez isso", como se fosse uma criança empolgada. Não que isso seja um defeito capital, mas é revelador de uma falta de cuidado, ou de habilidade literária.
O texto da editora diz que a história se passa em 2000 e qualquer coisa, mas em nenhum momento do livro é falado em qualquer data concreta. Foi retirado do filme? Mas o livro aqui deveria ter sua autonomia, então ele deixa vago de que ano se trataria, ou mesmo se seria até uma humanidade fantasiosa (estilo Star Wars), num lugar genérico qualquer. De toda forma, é um livro que tem o futurismo como tema.
A história do filme é interessante, pois boa parte dele ficou perdido até 2008, sendo encontrado num cinema antigo em Buenos Aires. A versão anterior, ultra censurada e editada, deixava de fora vários momentos importantes. Tanto é que hoje, se você assistir ao filme, vai notar que partes dele tem uma qualidade bem inferior: são os momentos recuperados no cinema de Buenos Aires. Aliás, o filme é facilmente encontrável hoje (novembro de 2021) no YouTube, dado que é uma obra de domínio público. Tem tudo legendadinho bonitinho lá, inclusive.
O filme é uma obra impressionante, caríssima para a época (quase quebrou a produtora), com efeitos visuais pioneiros. O livro já nem tanto, mas pode agradar a quem é muito fã do filme, ou do cinema de ficção de uma maneira geral. É um belo material histórico, mas que como livro puramente não se sustenta muito. Claro que falo a partir do meu gosto (e há gosto nesse mundo pra tudo), então cada um vai ter sua visão.
O material em si é ótimo, a Editora Aleph está de parabéns aqui. A edição é belíssima, trabalhando muito bem o visual preto-e-branco (uma referência ao filme). As artes são econômicas e pontuais, abrilhantando a leitura, e visualmente de acordo com o tema. Ao final, temos três ensaios excelentes, explorando algumas implicações do livro e do filme de maneira bem aprofundada, e só eles já fazem uma ótima leitura. Aliás, o fato de que os ensaios ao final sejam melhores que o próprio livro, já diz muita coisa sobre ele.
Trata-se, então, de um livro umbilicalmente ligado à sua contraparte cinematográfica, eu recomendaria mais mesmo esquecer este livro e apenas ver o filme, que é um clássico da sétima arte (ainda que também não seja lá grandes coisas também), mas o cuidado da editora, sendo muito bem apresentado, e contextualizado com ótimos ensaios, e visualmente muito bom (capa dura, e tal), podem fazer um belo presente ou coleção.
Os textos finais, aqui mencionados, incluem material de divulgação da época, um texto muito pessoal e comovente de Anthony Burgess (autor de "Laranja Mecânica", e que viu o filme na época, sendo ele criança nos anos 1920), um texto equivocadíssimo da ex-VJ Marina Person (que compara a atrocidade nazista com as puladas de cerca do diretor, buscando fazer um julgamento pessoal da autora, desnecessário aqui), e algumas observações de H.G. Wells, que odiou tanto o filme quanto o livro. Aliás, interessante como estes textos jogam com a questão da qualidade do livro, sendo portanto uma seleção de bastante lucidez, e que não tenta "passar o pano" para as suas falhas literárias.
A nota final (três estrelas) tenta contemplar todos estes aspectos: o cuidado da editora, a boa seleção de textos de apoio, o cuidado gráfico e o romance em si que, apesar de não ser exatamente brilhante, contém bons momentos e interessante simbologia, e serviu de base para um filme crucial para o desenvolvimento da sétima arte.