Carol Nery 05/02/2020Filme x LivroCoração Satânico, do original Falling Angel, foi lançado pelo autor William Hjortsberg em 1978. A história se passa em uma Nova Iorque no ano de 1959. Logo no início iremos nos deparar com Harry Angel, que é um detetive particular. Ele foi procurado por uma personalidade e seu novo serviço será encontrar Johnny Favorite – ou Jonathan Liebling. Johnny foi um músico (cantor) que se tornou famoso e bastante conhecido, porém meio que desapareceu após a Segunda Grande Guerra.
“É um livro único. Nunca tinha lido algo remotamente semelhante, e suspeito que jamais encontrarei algo parecido novamente. (…) Vou ficar de olho em Johnny Favorite — e, com um temor maior, em Louis Cyphre — por um bom tempo.” ~ Stephen King
Hjortsberg ‘percebeu’ que esse final da década de 70 era uma época para a ascensão de romances de terror. Stephen King, um grande fã desta obra posteriormente, era a prova viva de que escrever horror era lucrativo e que com um pouco de sorte, se poderia viver fazendo tão somente isso como meio de vida. Além de King, outros autores que foram conquistando espaço nesses anos foram Peter Straub e Dean Koontz, por exemplo.
O mais interessante é que Coração Satânico construiu uma boa base de fãs para o autor. Fãs esses que ficaram à espera de um novo romance de terror tão macabro e envolvente quanto… Romance esse que jamais nasceu. Ele nunca escreveu nada tão espetacular. Ele teve chances com outras histórias, mas que nunca chegaram aos pés de Coração Satânico.
“Normal? Palavra abominável, normal. Não tem o menor significado.”
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São 41 anos desde o lançamento desta obra, e só agora resolvi encarar Harry Angel, Louis Cyphre e Epiphany. E a leitura foi tão intensa, e tão rápida, que me vi obrigada a procurar o filme em seguida. Uma vergonha pessoal! Ainda não tinha lido esse livro e nem visto a adaptação. Uma adaptação digna, bastante explicativa e que conta com astros de Hollywood como Mickey Rourke e Robert De Niro.
Tá certo que era um Rourke que ainda não tinha se tornado um John Gray (Nove e Meia Semanas de Amor), mas já com todo um charme explícito. De Niro também não deixou a desejar. Ele já tinha estrelado como o jovem Vito Corleone em O Poderoso Chefão II, e conta com uma caracterização muito satisfatória em Coração Satânico. Está no auge de seu encanto! Os dois atores foram exatos para viver Angel e Cyphre, respectivamente.
Preciso ressaltar que assistir Coração Satânico me mostrou um viés de Rourke que eu não conhecia. Ele fez sucesso em uma época onde eu não tenho muitas recordações. Com isso, tenho conhecimento de sua atuação já mais maduro. Ele demonstrou com perfeição os desesperos e agonias de Harry Angel em uma busca macabra. De Niro, brilhante como sempre, interpreta seu papel tão misterioso quanto era preciso. Suas aparições no filme são ínfimas perto do que temos no livro. Mas, seu olhar enigmático e suas frases bem colocadas fizeram sua passagem muito marcante – e admirável!
“Era sexta-feira 13, e a tempestade de neve de ontem permanecia nas ruas como um resto de maldição.”
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Então, retomando nossa história, Angel foi contratado por Cyphre para encontrar um Johnny Favorite que foi convocado para a Guerra, se machucou gravemente por lá e retornou em estado vegetativo. O motivo é que Cyphre e Favorite tinham um contrato entre si. O elegante senhor Cyphre só quer saber se o contrato está sendo honrado, uma vez que não se sabe por onde Favorite anda. E é aí que as coisas começam a desandar na vida de Angel.
Por onde o detetive passa, ficam rastros de sangue e corpos – geralmente assassinados com requintes de crueldade ou que aludam rituais satânicos. Essa busca de Angel a antigos amigos e contatos de Favorite não é tão bem retratada no filme, quanto o é no livro. Acredito que devemos atribuir essas diferenças à licença poética em tipos de mídias diferentes. Mas, mesmo os caminhos não sendo os mesmos traçados durante a romaria de Angel no livro, somos submetidos aos crimes de forma bastante bruta. Nada deixou a desejar, muito pelo contrário, até aterroriza olhar muito fixamente para aquelas imagens destroçadas.
“Sombras se deslocavam de forma grotesca sob a luz incerta das velas. A batida demoníaca dos tambores dominou os dançarinos com seu feitiço vibrante. Seus olhos rolaram para dentro das pálpebras; suas bocas espumavam enquanto eles cantavam.”
RESENHA | SANGUE FRIO – ROBERT BRYNDZA
O que podemos entender com certeza é a ligação de Favorite com a Magia Negra e o Vodu. E assim podemos ir construindo alguns caminhos mentais sobre os verdadeiros interesses da busca de Cyphre por Johnny. A curiosidade latente para mim durante a leitura foi entender o pacto firmado entre Favorite e Cyphre, e o motivo da figura icônica se preocupar com as condições de vida de Favorite. A adaptação não nos deixa agoniados por muito tempo, uma vez que o papel de Cyphre não é tão confuso, e sua caracterização é bastante, como posso dizer, declarada.
Mas, o motivo do título Coração Satânico a gente só tem certeza quando fecha o livro após ler a última página. Ou, no caso daqueles que não leram a obra, quando assistem aquela cena muito bem orquestrada de certa pessoa descendo diretamente para as camadas mais profundas e quentes que já ouvimos falar – e de elevador!
Bom, se Harry Angel descobre o paradeiro de Johnny Favorite, se o encontra com vida, se ele entrega Johnny aos cuidados de Cyprhe, ou se todo mundo morre no meio dessa bagunça, recheada de muito sangue, corpos dilacerados, corações pulsantes, orgias em meio a Cultos de Magia Negra… Você não vai descobrir por mim. Leia o livro, assista o filme. E tenha sua própria experiência com Coração Satânico. Você não acha que estamos em uma ótima época para você se dar essa oportunidade?
“A verdade senhor Angel é uma presa que pode facilmente nos iludir.”
RESENHA | ENCARCERADOS – JOHN SCALZI
Para não deixar passar batido, relembro-vos que a adaptação suprime muita coisa do livro, e altera outros lugares ou acontecimentos. Não maculou a história, nem a modificou drasticamente. E mesmo que o filme tenha sido para mim uma luz esclarecedora em alguns pontos que o livro me deixou em dúvida, aqui ainda reina aquela máxima: o livro é melhor!
Eu avaliei essa leitura com 4,5 estrelas no Skoob, e tanto a leitura, quanto o tempo gasto vendo o filme, rendeu um momento maravilhoso de debate em grupo com algumas amigas literárias. A gente conseguiu abstrair bem mais da obra depois de cada uma expor o que sentiu e entendeu com a leitura do livro e posteriormente assistindo ao longa. O que mais gostei em Coração Satânico, além do plot fantástico das últimas páginas, foi o clima noir reinante. Eu amo esse tipo de literatura policial.
“O túmulo jaz ao final de toda trilha. Apenas a alma é imortal. Guardem este tesouro com carinho. Seu invólucro decadente é apenas um barco temporário numa viagem sem fim.”
CRÍTICA | A LUZ NO FIM DO MUNDO
CURIOSIDADES (que podem ou não conter spoiler sobre livro e/ou filme):
No filme, conforme se dá o momento que os créditos de Coração Satânico aparecem, você poderá perceber uma cena que mostra determinado personagem indo até o inferno de elevador;
Esse filme é considerado um “neo-noir”, que é o termo utilizado quando os longas possuem elementos dos thrillers dos anos 30 e 40, mas são produzidos posteriormente aos anos 70;
O título do livro no original é Falling Angel, que pode ser tanto uma referência a Lúcifer, o anjo caído, ou mesmo referência ao personagem vivido por Rourke, o detetive Angel;
O título do filme no original é Angel Heart, que ao meu ver, se nos atentarmos a esse fato desde o início, inesperadamente sacaríamos bem mais cedo o plot twist do livro! Contudo, eu achei uma ótima sacada;
A pronúncia do nome do empregador de Harry Angel, Louis Cyphre, dito rapidamente, é a grande chave para a solução do mistério que envolve todo o interesse do mesmo no paradeiro de Johnny Favorite.
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http://www.coisasdemineira.com/coracao-satanico/