Fernanda631 27/12/2022
Galveston
Galveston foi escrito por Nic Pizzolatto e foi publicado em junho de 2010.
O livro Galveston nos traz uma série de nuances sobre a vida de pessoas que tiveram poucas oportunidades e que de algum modo foram levadas a vulnerabilidade de um mundo do crime.
A obra conta sobre a vida de Roy Cady, um matador de aluguel que trabalha para um chefão do crime, prestando seus serviços frios e calculistas para controlar a área de seu chefe. Mas Roy não contava com a descoberta de um câncer terminal em seus pulmões, o que fez com que repensasse suas escolhas e onde a vida o tinha levado.
Sem desejar parar com seus trabalhos, Roy é chamado em uma noite para dar um susto em um cara, mas quando chega lá descobre que era uma armadilha, ou melhor, uma emboscada armada pelo próprio chefe e ele quase acaba morto pelos bandidos que lá estavam. Roy se viu na necessidade de fugir, caso contrário seria encontrado e morto. E consigo leva a única testemunha viva da armadilha, uma jovem prostituta chamada Raquel. Agora, seu objetivo é fugir de New Orleans para Galveston, no litoral do Texas.
Passando por bares imundos, hotéis decadentes, estradas cheias de sujeira e perigo. Encontram trapaceiros de todo tipo e se metem em encrencas, enquanto tentam fugir de uma certeza: virão atrás de Roy para terminar o serviço.
As páginas avançam e o leitor percebe que ali ninguém presta mesmo. Ninguém. As vidas são cheias de fracassos, abandonos, perdas e danos. Todos carregam seus cadáveres, e todos querem sobreviver, mesmo que seja à base de cotoveladas. Isso cria um clima permanente de tensão, que o autor alimenta na medida certa.
Para isso, a narrativa oscila entre o presente e vinte anos no passado, com maestria e sem tropeços. Como isso se dá de forma alternada nas seções do livro, o leitor vai se preparando para retornar ou avançar no tempo, o que lhe garante uma falsa sensação de controle da situação. Nada. Em qualquer um deles emergem das páginas as facetas carcomidas de uma realidade que não deveria se sustentar, não se tivesse um pingo de dignidade. Nada ali dura muito. Os personagens parecem não ter medo de perder o que têm, talvez porque sequer percebam o que trazem consigo e que poderiam considerar conquistas.
Roy é um tipo estranho, pouco confiável. É alto, cabelos compridos, chapelão e botas de caubói. Os caras do bando até o apelidaram de Big Country por causa desse jeitão “caipira”. É durão, castigado pela vida e que não espera ir muito longe. Seus pulmões estão sendo devorados por um câncer e o mundo não é nem um pouco gentil com ele. Apesar disso, ele tem lá no fundo, bem no fundo mesmo, seus valores. O leitor fica ao seu lado o tempo todo, mesmo quando ele pratica os atos mais desprezíveis e injustificados. Mesmo quando marcha decidido para o abismo. Esse é o herói que iremos acompanhar?
O livro é contado em primeira pessoa, sobre a visão do próprio Roy, que nos engloba em sua vida e como se sente após a descoberta do câncer. Somos apresentados também duas linhas temporais, as memórias de Roy sobre a fuga e a travessia do país, e sobre o presente de Roy que é o resultado dessas escolhas.
Após pegar a estrada, Roy se vê obrigado a confiar em Raquel e promete levar a menina para o mais longe possível do local, exigindo apenas uma coisa dela: sinceridade. Mas a mesma já começa quebrado essa promessa quando pede para ele parar em uma casa para descolar uma grana para eles e quando ela volta de lá, ela está junto de uma criança, que diz ser irmã dela.
Roy se sente contrariado e traído e quase as abandona no meio do caminho, mas persiste para dar um destino melhor para essas meninas. Ao mesmo tempo em que se sente preocupado com elas e com a possível perseguição, Roy tem que lidar com o fato de que está morrendo e que nada vai ser deixado para trás, então toma como objetivo dar futuro para essas garotas. Mas ele é uma pessoa muito instável e alcoólatra o que complica e muito essa convivência com as pessoas.
Muitos segredos dele e de Raquel são revelados no decorrer da história, mas é a fraqueza de Roy que os entrega, quando eles achavam que estava tudo bem e poderiam seguir suas vidas, Roy comete um deslize e eles são localizados pelos capangas de seu antigo chefe, impedindo assim que eles concretizassem seus sonhos.
Roy consegue fugir deles, mas não antes de ser gravemente ferido pelos homens, o que lhe causa deformações e o impede de ter uma vida comum no futuro. Após o passar dos anos Roy alcança seu objetivo de chegar à cidade de Galveston, tentando ali recuperar o tempo perdido. Até que um dia, 10 anos depois ele tem uma visita inesperada.
Essa obra traz ao leitor os acontecimentos de vidas sem muitas escolhas, e como uma nova pessoa em sua vida pode mudá-la tanto, apresentando novas oportunidades e novos objetivos quando não se tem mais opões. Muito bem escrito pelo autor, o livro nos envolve na história nos prendendo do início ao fim, nos dando esperança de uma nova vida para os personagens e fazendo com que criemos carinho por eles e medo com eles. Uma obra de muitas emoções, dúvidas e conflitos. Com isso tudo não tem possibilidade de ser um livro ruim.
Aos poucos, as atitudes dos personagens é que vão desmanchando essa opacidade. É assim que entrevemos um fiapo de esperança, que não chega a ser uma capacidade de redenção, mas já é alguma coisa. Reviravoltas na trama, violência, um homem enfrentando seus demônios internos, um final eletrizante. Sim, temos uma trama policial em mãos, do tipo brutal, cru, realístico e violento.
Com Galveston, Nic Pizzolatto nos oferece uma chance preciosa para pensarmos o bem e o mal numa perspectiva bastante crua. Não se trata de realismo, mas talvez de um certo derrotismo. O que pode nos levar a um cinismo perigoso, quase niilismo, aquela tentação de não acreditar em nada, e com isso, permitir que tudo se faça.