Otávio Augusto 08/06/2023Desconfiem quando a adaptação é mais famosa que a obra originalApesar de não gostar de filmes musicais, já ouvi diversas vezes a música mais famosa do filme "O fantasma da Ópera", de 2004. Gosto muito dessa música e da sensação gótica, sombria que ela me transmite. Ao descobrir que é adaptação de um livro clássico, fiquei muito curioso. Porém, não poderia ter uma decepção maior: foi a minha pior leitura de 2023, ano em que já concluí mais de trinta leituras.
A história nos é contada a partir de um narrador que reuniu textos de várias testemunhas dos eventos sobrenaturais que ocorreram no Ópera Garnier, principal cenário do enredo. Supostamente, esse estilo narrativo deveria dar maior veracidade à narrativa, persuadindo o leitor da existência de um fantasma por trás de certas ocorrências. Porém, fica muito evidente desde o início que não há um ser fantástico por trás dos acontecimentos, mas tão somente uma pessoa, haja vista que a narrativa não propicia nenhum sentimento de apreensão e verdadeiro mistério ao leitor. Nesse sentido, o livro falha como o suspense policial que tenta - em vão - ser. Para piorar, nenhum dos personagens gera qualquer conexão com o leitor no primeiro terço do romance. Todos são marionetes narrativas manipuladas para chamar a atenção do leitor, a qual permanece morna até quase metade da obra, momento em que o livro se revela como um triângulo amoroso melodramático.
Sendo justo, nesse momento, há um salto considerável na qualidade narrativa. Christine, uma atriz do Ópera, tem um envolvimento amoroso com um amigo da infância, Raoul, mas é raptada por Erik, o homem que esconde sua feiura debaixo da máscara - literal e metafórica - do fantasma da ópera. A partir daí, surgem os principais conflitos do romance: a aparência e a essência, o belo e o feio, o verdadeiro e o falso, a vida e a morte, o amor e a indiferença. Apesar disso, não consegui me convencer da paixão intensa de de Christine por um homem que a capturou e a torturou psicologicamente, chegando a ponto de ameaçá-la por não se casar com ele. Talvez esse espírito de A bela e A fera não me agrade de forma alguma mesmo.
Além disso, Gaston Leroux não tem domínio sobre os diálogos das personagens, que soam inverossímeis e até mesmo infantis, em nada condizentes com um livro supostamente clássico. Na verdade, o relacionamento entre Erik e Christine me remeteu ao melodrama artificial presente no primeiro livro gótico de todos, "O castelo de Otranto", de Horace Walpole, que envelheceu muito mal. Ainda em se tratando de referências, Erik é apresentado como alguém que dorme em um caixão - um conde Drácula - e que tem o corpo deformado, semelhante a mortos - Frankeinstein; em dado momento do romance também aparece a "Morte Rubra", personagem de "O baile da Morte Rubra", meu conto favorito de Edgar Allan Poe; o próprio Ópera Garnier pode ser visto como o recinto de um ser repudiado pela sociedade, que se esconde por trás de uma grande beleza arquitetônica, assim como é a relação entre Quasímodo e a Catedral de Notre Dame , personagens do livro "O corcunda de Notre Dame". Entretanto, o autor falha em tudo que essas obras acertam. Não há a riqueza de pontos de vista frente ao desconhecido que se encontra em Drácula; não há diálogos ricos e filosóficos como em Frankeinstein; não há uma alegoria forte e assustadora da morte que chega a todos de Poe; não há um bom desenvolvimento de uma relação fadada ao fracasso e ao desprezo pela sociedade como em Victor Hugo.
Portanto, considero que o romance falha em tudo que se propõe a ser. Não é um bom suspense policial, nem história de amor nem um bom livro gótico. Trata-se de uma colcha de retalhos de vários gêneros e influências que não conseguem dialogar entre si. A influência de grandes clássicos é muito presente; o brilho deles, não.
Não é à toa que o livro é muito menos comentado que o musical e o filme de 2004. Se antes eu já não tinha muita vontade de vê-lo, agora não tenho nenhuma. Voltemos aos escritores de primeira categoria da literatura clássica francesa.