Ayla Cedraz 19/12/2016
Volto para Clarice
Fui ver minhas resenhas no Skoob, e descobri que a única que escrevi foi de A Via Crucis do Corpo, livro de Clarice, que li aos meus, gentis, 13 anos, para onde hoje olho com tanta condescendência. Lembro-me da superfície de meu impacto ao ler tal obra, assim como lembro de achá-lo alheio ao que eu já havia lido de Clarice. Acho engraçado e um pouco ridículo dizer que, naquela idade, eu já havia lido Laços de Família, Perto do Coração Selvagem e A Hora da Estrela [este último, emprestado da biblioteca da escola; pensei longamente sobre furtá-lo, mas não o fiz (otária)]. O que, verdade seja dita, pode ter me acontecido quando me embrenhei nesse material em tamanho despreparo? Minha relação com a literatura é de amor e ódio, é o que hoje concluo. Que papel teve A Via Crucis... na minha vida?
Ler Clarice, foi uma luz. Gostaria que Benjamin Moser tivesse um livro sobre como foi escrever esse livro. Se as obras de Clarice já oferecem tamanho impacto sobre qualquer leitor, o que faz sua vida? Confesso que me desiludi um pouco. A minha imagem de Clarice, ao longo dos anos, estruturava-se numa personalidade altiva, arrogante por natureza, senhora de todos os seres humanos; ideais esses fortalecidos pela foto que aparecia sempre através de cada livro (edição Rocco), onde Clarice aparecia sentada, com o queixo levemente erguido para uma câmera que parecia questioná-la e ela, com preguiça, limitava-se a oferecer um olhar de intensa chateação e costumeira dor de cabeça. Sempre pensei que, se eu tivesse conhecido pessoalmente Clarice e tivesse a oportunidade de conversar com ela, sairia da experiência numa crise existencial seríssima e teria de viver para sempre em sessões de análise. Em Clarice,, descobri que ela era uma mulher, ao menos de início, realmente inclinada às interações sociais, inclusive com leitores de suas obras, e que gostava de conviver. Descobri que Clarice suportou longos anos de solidão, morando em diversos países, devido ao trabalho do marido, diplomata. Na minha imaginação, Clarice jamais o faria! No primeiro incômodo, ela largaria tudo e iria para onde bem quisesse. Desiludi. Contudo, não me decepcionei. Conhecer um pouco da real Clarice fez com que eu me apaixonasse de novo por ela, de um modo diferente. Descobri que a Clarice que eu imaginava era mais parecida com a Clarice depois do divórcio, depois de todo o sofrimento com a doença do filho, depois do incêndio em seu apartamento, quando ela não podia suportar sequer um jantar na casa de amigos. Recentemente, li A Paixão Segundo G.H.. Quando olhei a foto dela de novo, ela era outra.