Isabela.Linhares. 30/08/2019
Perfeito
Sempre fui fascinada pelos livros da Clarice e ultimamente comecei a lê-la ferocidade. Na minha ânsia de procurar algum tipo de resposta, vi nessa biografia uma oportunidade de entendê-la e por conseguinte me entender. Alguém que escrevia daquela forma não poderia ser uma pessoa “normal”, era evidente que ela tinha algo que a deixava amplamente desamparada. Sei lá, acho que esperava algum tipo de final feliz ou algo parecido, algum tipo de aceitação dessa permanente sensação de inadequação quanto a vida e que Clarice no final se entenderia e seria feliz e plena e que, se ela com as suas diversas questões fosse capaz de viver e aceitar a complexidade do mundo, todos seriam capazes, eu também seria capaz de vencer minhas angustias. Em muitos dos livros dela ela celebra a vida e as relações humanas com tamanha vivacidade que até podemos imaginar uma pessoa muito feliz apesar de intensa, escrevendo aquelas linhas. Não foi bem assim, não que ela não fosse feliz, mas ela era uma pessoa com diversas questões emocionais, acredito que a principal era o fato dela ser simplesmente e essencialmente, humana (não consigo achar outro termo), e não essa humanidade difundida por aí como um ideal a ser alcançado, como a própria Clarice já havia criticado em seus livros, mas algo intrínseco, orgânico, puro. Ela era. Apenas isso. Nela não haviam máscaras, como ela própria disse, ela nunca fez concessões. Ela era simplesmente ela. Não era uma escritora, não era uma jornalista, não era nada. Nem sei se posso dizer que era Clarice, pois é um nome pelo qual as pessoas se referem às outras e um nome é muito mais dos outros do que da própria pessoa e ela não era um nome, ainda mais no caso de Clarice, o "monstro sagrado". Ela apenas existia e isso doía, pois dentro dela havia uma consciência aguda, como se a todo momento ela se lembrasse que vivia em vez de apenas viver e tinha uma liberdade da qual uma vez adquirida não era mais possível abrir mão. E antes de tudo isso, ela era uma pessoa como qualquer outra que “apesar da alma ser complexa, era de trato muito simples”. Acho que no fim das contas ela só queria amor e carinho, até por que o que mais ela poderia querer e fazer. Como disse G. H. “o mundo independia de mim”, e, de fato, por maior que fosse sua sensibilidade e amor pelas pessoas ela não podia salvar o mundo e provavelmente ela se sentia falhada por isso, por não conseguir salvar algo ou alguém e nem ela própria. Ela não exigia nada de muito elaborado das pessoas, mas toda a imagem construída sobre ela, a enigmática, belíssima e excêntrica Clarice Lispector, fazia com que as pessoas achassem que ela esperava algo além do que elas poderiam oferecer.
O que pude concluir desse livro (que para falar a verdade li muito mais por mim do que por Clarice apesar de amá-la com todo meu coração) é que não existe um jeito certo de viver, não se aprende a viver, a vida de fato não tem um sentido. O que a gente pode fazer é tentar ser feliz apesar de tudo, podemos continuar a procurar por respostas em livros, pessoas, filmes, mas com a consciência de que nunca acharemos a resposta, podemos melhorar as perguntas, apenas isso e, apesar disso viver, não há um ideal a ser alcançado e no fim seremos todos ossos.
Acabei nem falando do livro de fato (ou falei?). Foi a primeira biografia que li e imaginava algo um pouco exaustivo, como uma narração de sucessivos fatos, mas fiquei encantada com a sensibilidade do Benjamin Moser e com a tradução delicada do José Geraldo Couto. O autor faz uma dosagem muito inteligente entre o lirismo e a narração, todas as obras e momentos da vida de Clarice são descritos de forma muito interessante de serem lidas, sempre nos situando no contexto histórico de forma nada cansativa.