Yulee Zin 30/01/2024
O assassino de quatro patas
"Cujo" é uma obra do King que me impactou muito na primeira vez que li, não à toa, virou meu livro preferido do mestre. Também tinha amado o filme, em uma época em que corria para conferir as adaptações logo após terminar a leitura. Agora, depois de uma releitura, percebo que tem suas falhas, porém que não tiram de forma alguma o brilho da narrativa.
A história é bem simples: um cão dócil pega raiva e pessoas comuns em lugares errados, na hora errada, caem nas garras do destino. Em vez de um protagonismo fixo, há alguns núcleos: o dos Trenton, em que acompanhamos a vida e os pensamentos de Vic, Donna e Tad, o dos Camber, composto por Joe, Charity e Brett, o dos moradores de Castle Rock, os quais se constituem os vizinhos dos Camber e conhecidos e amigos próximos de cada uma das famílias principais e o de Cujo, o São Bernardo. A melhor coisa do livro é acompanhar como os núcleos vão se encaixando, despontando na tragédia final. A própria obra é autoconsciente do inevitável "efeito borboleta" em que os personagens se colocam, algo que flui conforme os parágrafos mudam abruptamente de uma perspectiva a outra.
E nisso chegamos a um ponto ambíguo: a falta de capítulos. Lembro de ter adorado essa escolha na primeira leitura, mas apesar de concordar que é um recurso ousado e que ajuda na construção dos acontecimentos, foi o que me fez tirar meia estrela da nota. Stephen King é conhecido por sua prolixidade, e parece que a escrita contínua deu espaço para sua mente viajar de vez, considerando o começo lento e a perda do ritmo na metade. Mas é um ponto ambíguo por um motivo, já que gera uma ansiedade tremenda em meio ao caos, a ansiedade de saber quando voltará ao ponto de vista anterior.
Deixando essa questão de lado, nem preciso dizer o quanto gosto da trama. Os personagens são perfeitamente críveis, e toda situação tem um quê de possível, o que é assustador. É maravilhoso que até Cujo (um cachorro!) tenha seu ponto de vista nas cenas, denunciando a metamorfose pela raiva. É tudo muito cruel e difícil de digerir, um livro bem gráfico para quem não gosta de violência com animais e crianças, mas que ainda assim recomendo.
*Nota: na edição que li, tem um trecho de uma entrevista com o autor ao final. Tem spoilers fortíssimos de outras obras como "O Iluminado" e "O Cemitério", ainda que seja um material extra muito bom.
Pois bem, "Cujo" é um ótimo livro. Entendo que muitos não o apreciem por ser um dos mais prolixos do rei, contudo, esse detalhe não ofusca a qualidade da história que, até o momento, permanece sendo minha preferida do autor.
Nota: 4.5 + ??