Érika 08/03/2020Resgate de memória, com cheirinho de tradição"Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis", da Jarid Arraes, foi o livro escolhido para inaugurar o clube Leia Mulheres na cidade onde moro, Itajaí, no mês de fevereiro de 2020.
Quando me convidaram para a reunião do clube, eu estava atribulada com trabalho e não pude ir. Por coincidência, porém, conheci a responsável pelo projeto aqui na cidade em um evento na última sexta (06/03), e ela tinha levado esse livro, que peguei emprestado porque minha mãe ? também no evento ? se interessou.
Logo que cheguei em casa, folheando o livro ? que é lindo, com ilustraões estilo xilogravura em fundo negro ? li os primeiros cordéis em voz alta para a minha mãe, que estava ocupada com alguma outra coisa, e me encantei.
Devorei o resto do livro todinho no sábado, lendo a maior parte dos poemas em voz alta, porque quer ver coisa mais linda que a musicalidade do cordel?
Tenho uma queda especial pela literatura nordestina, bem como pelas formas populares de manifestação da literatura (cordel, repente, etc.), e vale dizer que Jarid, que é uma escritora cearense de Juazeiro do Norte, honrou bem demais suas raízes no trabalho aqui compilado.
Segundo eu entendi do prefácio e da nota da autora, o livro contém apenas uma compilação de cordéis que a autora já fazia antes para uma série sobre mulheres negras fortes da nossa história.
Dos nomes destacados, eu já conhecia alguns. Mas ? e aqui cabe repiso algo que foi observado também pela autora na sua nota ? só vim a conhecê-las já adulta, por menções aqui e ali e acidentes do destino. Aqualtune, Dandara e Maria Felipa apareceram em dois concursos de contos (sobre mulheres históricas e Brasil império, respectivamente) promovido no Wattpad por mim e por outras meninas que tocávamos um projeto voluntário sobre ficção histórica por lá. Alguns dos contos submetidos aos concursos narravam as histórias delas. As escritoras (Maria Firmina e Carolina Maria de Jesus) eu fiquei conhecendo graças a seus livros. "Quarto de Despejo" é excelente, acho que até já resenhei por aqui.
Nisso está a relevância especial dos cordéis aqui compilados: a maioria das mulheres que eu desconhecia eram lutadoras. Na escola não me ensinaram sobre os quilombos (mesmo havendo pelo menos dois até hoje aqui nas redondezas, o que descobri anos depois no trabalho). Nem sequer o que era um quilombo explicaram direito, e o nome de Zumbi era vagamente citado, sem uma descrição ou feitos específicos para ligar a ele. Então já dá para imaginar quanta atenção receberam todos os outros batalhadores e batalhadoras...
Tudo para perpetuar o mito de que o brasileiro é passivo, e que nossos direitos sempre nos são dados ? a independência veio de cima, a abolição veio de cima, os direitos trabalhistas e previdenciários vieram de cima... Que cusparada no sangue dos que morreram por essas causas!...
Mas voltando ao livro, cabe também ressaltar outras histórias curtas, mas peculiares, como a da mulher que ousou peitar um branco que lhe fez mal e, para completa surpresa de quem conhece nossa sociedade racista, recebeu o apoio do povo e da justiça. Ou da pobre escrava educada clandestinamente pelos padres, roubada pelo governo e cujos apelos entraram para a história, apesar de provavelmente terem sido ignorados na prática. A educação salta aos olhos como ferramenta de extrema importância na trajetória da maioria das mulheres descritas no livro. Com o pouco de educação que receberam, às vezes apenas ler e escrever, algumas fizeram muito. E outras, reconhecendo sua importância, trataram de fundar escolas para libertar outros. A boa educação liberta, e é por isso que este livro, ser leitura obrigatória nas escolas. O povo do Brasil, majoritariamente pobre, negro e oprimido (especialmente as mulheres, a quem se acrescenta mais um fator de opressão) precisa conhecer sua História, procurar os padrões e as raízes dessa opressão para poder derrubá-la. E procurar, também, exemplos de luta no passado, para encontrar nelas inspiração.