Tamirez | @resenhandosonhos 02/08/2018VACAS - Dawn O'PorterEu fiquei muito intrigada quando vi essa capa e li sobre a história, porém, confesso, estava bem desanimada com essa leitura. Mas, assim que eu andei algumas páginas dentro da trama já estava vidrada no que acontecia.
Vacas é um livro contemporâneo que vai apresentar a vida de três mulheres bem diferentes e que aparentemente não teriam nenhuma conexão, porém, conforme as coisas se desenrolam, é possível ver que há sim algo que as move que é compartilhado: o desejo de pertencimento e direitos. Com o subtítulo de: Nem toda mulher quer ser princesa, logo fica claro que este deve ser um livro para trabalhar o feminismo ou alguma vertente dele. Entretanto, diferente de querer levantar uma bandeira e converter, Vacas é um daqueles livro que vai mudar um pouco nossa visão de ver o mundo.
Eu sou mulher, levanto algumas bandeiras e luto pra buscar meu espaço. E, mesmo com o pertencimento ao grupo, vi o quanto é, por vezes, solitário. Acho que meu maior choque foi o perceber o quanto é forte o julgamento que exercemos uma às outras. Me parece irracional buscar certas mudanças de fora, seja dos homens ou da sociedade, quando entre nós não há compreensão e sororidade o suficiente para evitar tais coisas.
“Acho que nunca me sentiria solitária. Porque quando você domina a arte de desfrutar da própria companhia, a felicidade vem.”
A mãe solteira e trabalhadora julga aquelas que não trabalham para cuidar dos filhos, a que quer ser mãe julga a que opta por não ter filhos, a magra julga a gorda, a liberal julga a conservadora, a rica julga a pobre. Há tantos exemplos e situações onde isso também se inverte, que é estranho demais pensar sobre isso e constatar o quanto ainda há um longo caminho pela frente, sendo o primeiro passo, acertar o tom entre nós, antes de exigir dos outros algo que não conseguimos conceber.
Mudar a forma de pensar é algo que vem com o tempo, com insistência e desconstrução. Não há uma fórmula secreta onde tudo se resolve de uma hora para a outra e acho que isso é a primeira coisa a se ter em mente. Não é porque você pensa certas coisas, que não pode ir levemente moldando isso a se tornar diferente. E sim, nossa cabeça é um lugar estranho habitado por pensamentos, muitas vezes, perversos. Porém, o controle ao não externalizar o ódio ou o julgamento já é um passo importante a ser dado.
A forma como O’Porter trabalha essas questões é apresentando essas mulheres comuns e dando a elas histórias que se aproximem de nós. Histórias reais, que já vimos acontecer com alguém perto da gente ou de alguém que conhecemos. E enquanto vemos nossos conceitos serem repensados pela seriedade do que é retratado no livro, vamos percebendo o quanto há erros em nosso próprio comportamento.
“Existem vários tipos de mulheres, e todo o esforço é necessário para que elas não sejam vistas como novilhas ou vacas. Mulheres não precisam se encaixar em esteriótipos. Vacas não precisam seguir o rebanho.”
Esse é o meu tipo favorito de contemporâneo, onde não há uma lição pronta entregue em uma bandeja, mas algo sujeito a interpretação, algo mais orgânico, que não é jogado na minha cara, mas que a história aos poucos faça com que eu compreenda situações e tenha minhas epifanias mentais ao pensar sobre aquilo.
E as reações a trama vão ser diferentes de acordo com quem você é e no que você acredita, porque as personagens trazem histórias diferentes e problemas diferentes exatamente para que independente de quem estiver lendo, consiga achar ali algum elo de ligação a que vá se ancorar durante a narrativa.
Portanto, independente de qual seja a sua ideologia de vida, essa é uma leitura recomendada à todas as mulheres, para uma maior compreensão primeiro de nós mesmas, depois do próximo e, claro, da forma como o enxergamos. Não há problema encontrar aqui suas falhas, há problema em prosseguir no erro, sabendo de sua existência. E, pra ter mais propriedade para exigir direitos aos outros, primeiro me parece necessário que haja respeito entre nós, mesmo que não se siga o mesmo estilo de vida ou não concorde com a tomada de decisões. Respeito é o mais importante.
Sobre as personagens, é impossível não sentir um mix de emoções. Tara se vê super julgada pelo mundo por algo que era para ser nada. Ela já se sentia de certa forma oprimida por ser mãe solteira e a nova situação agrava sua realidade de uma maneira invasiva e que não pode ser apagada. Cam levanta suas bandeiras o mais alto que pode e sofre o julgamento que vem disso, de expor suas opiniões em voz alta, de ter opiniões. Mas mesmo aqueles que têm certezas na vida sofrem imprevistos que podem mudar tudo. Já Stella, a personagem que me incomodou mais durante a leitura, é um exemplo de como algo que a gente sofre, se não levado a sério, pode desencadear situações de extremos onde intervenções são necessárias. Cada uma delas é tão diferente e tão parecida em certos aspectos que, como já disse, é impossível não achar algo para se relacionar.
Vacas foi uma leitura incrível e que me rendeu inúmeros pensamentos sobre o assunto. Então, fica aqui a dica de leitura e também de presente para aquela sua amiga feminista ou julgadora, que a gente sempre tem ;)
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