Suelen 01/08/2018
Conheci Rose McGowan na minha adolescência, quando zapeava os canais da TV a Cabo e acabava parando no canal que passava Charmed. Nunca fui de assistir filmes de terror, então não fazia ideia de que ela tinha estrelado Pânico e outros longas do gênero. Para mim, ela sempre foi a Paige Matthews, uma das irmãs Halliwell da série das bruxas de São Francisco. Depois que a série acabou, nunca mais a vi em outros trabalhos ou procurei saber sobre, devo confessar, ela nunca foi minha “Halliwell” favorita. Algum tempo atrás vi uma entrevista com ela, mas nada esclarecedor.
Quando recebi o livro fiquei um pouco receosa, uma vez que já tinha sido bombardeada por diversos comentários estereotipados sobre ela – meu julgamento estava bastante comprometido, e agradeço ao livro por ter mudado completamente minha visão sobre Rose. A forma com que ela narra sua vida no papel é tão envolvente que, depois que você começa a leitura, é quase impossível parar. Motivo 1: você não vê o tempo passar. Motivo 2: você quer cada vez mais saber um pouco mais sobre sua vida. Se esses eram os objetivos, ponto para ela!
Resumindo bem por cima, McGowan nasceu na Itália e cresceu em uma seita religiosa, a “Meninos de Deus”. Sua infância foi, basicamente, cruel demais, com pessoas sendo levadas à loucura quando acumulavam poder demais e eram colocadas em pedestais. Ela teve que viver na sombra do poder, da arrogância e do machismo extremo de seu pai e dos seguidores da seita. Quando cresceu um pouco mais, Rose se mudou para os Estados Unidos, onde tinha a esperança de que tudo mudaria para melhor. Não mudou – piorou, inclusive. Ela viveu pulando de casa em casa, com o pai, com a mãe, com a tia ou simplesmente na morando na rua. É incrível saber a força que ela teve em si mesma para sobreviver e seguir em frente. Para mim, que tive uma infância tranquila, foi um pouco chocante acompanhar cada causo contado, porque na minha cabeça criança nenhuma deveria passar por 2% do que ela passou.
Sua vida em Hollywood começou cedo, na adolescência. Um ponto interessante na obra é o jeito que ela compara a seita em que cresceu com o modo como foi apresentada ao mundo dos famosos. Em Hollywood, Rose percebe que tudo é praticamente igual ao que ela experimentou em sua seita religiosa, com a diferença que agora ela estaria diante das câmeras. É bem difícil descrever as coisas a que ela foi submetida: culto do corpo, reuniões com o intuito de promover sua carreira de modos “obscuros”, etc. Em nossa ingenuidade, em algum momento da vida brincamos sobre as atrizes que supostamente fazem o “teste do sofá”, mas após ler tudo o que ela coloca no texto, somos chamadas a refletir no quão errado e absurdo é esse sistema.
Algumas partes do livro são tensas. O leitor não precisa ter muita experiência de vida para entender o que está escrito nessas páginas e ter empatia pela atriz. Não são necessários nomes para identificar seus agressores. Os relatos dos abusos sofridos, tanto sexuais, quanto psicológicos, são de estremecer e causar incômodo. É muito bom ver artistas mostrando o mundo em que vivemos, porque Hollywood nada mais é do que uma bolha machista e patriarcal com muito poder e dinheiro. O “Monstro” retratado no livro ficou bastante conhecido após campanhas lançadas por atrizes contra diversos tipos de assédios recentemente. O que Rose passou provavelmente aconteceu diversas vezes com outras atrizes e mulheres que entraram ou queriam entrar no mundo do showbiz nos EUA. É apavorante.
O livro é curto, direto, forte e honesto. Não tem essa de passar a mão na cabeça de ninguém, o que é bastante compreensível, já que esta é a intenção da obra: mostrar a realidade e a história de alguém que sofreu desde criança, que se reergueu e se reinventou. O clímax de tudo é quando ela “acorda” e chuta o pau da barraca, abrindo o jogo e revelando todas as histórias que viveu. Rose falou e foi ouvida.
Escrever sobre biografias é sempre difícil, com “Coragem” foi um pouco mais. É mais “real”, mais duro, mais pessoal. Nele, McGowan fala de forma poderosa, faz com que sintamos a sua dor e sua raiva. Faz-nos ser menos julgadores com o próximo.
Acho que qualquer pessoa que deseja saber um pouco sobre o que acontece por trás das câmeras em Hollywood deveria ler este livro. Acho que meninas/garotas/mulheres deveriam ler este livro. Acho que todo mundo que se interessa sobre a luta das mulheres contra abusos, assédios, sejam sexuais, de poder ou que seja, deve ler este livro. Com a leitura vem uma lição de que temos que ter coragem. Muita coragem. E amor próprio para lidar com diversas situações. Definitivamente um texto que deveria ser indicado e lido por todos.
Rose McGowan é atriz, diretora, cantora, empresária, feminista e uma das precursoras do movimento #MeToo, que luta contra violência sexual e assedio e oferece suporte às vitimas, e CORAJOSA!
site: http://up-brasil.net/livros/resenha-de-livro-coragem-rose-mcgowan/