spoiler visualizarMaria 18/05/2021
A alma alheia é escuridão
Vencedor do Prêmio Goncourt, um dos mais importantes prêmios literários da França e que premiou obras de autores renomados como Proust, Beauvoir, Modiano e Houellebecq, “Canção de Ninar”, escrito por uma franco-marroquina que, até então, tratava-se, para mim, de uma ilustríssima desconhecida, atraiu-me, inicialmente, pela temática. Apaixonada pelos clássicos desde sempre, senti aquela “fisgada” ao ler a sinopse. E...por que mesmo? Sabe aquele contista russo brilhante chamado Anton Tchekhov ? Pois é. De imediato, lembrei -me de um dos meus contos favoritos do gênio russo, Olhos mortos de sono: a tragédia anunciada que encontra amparo em uma existência onde a miséria; solidão; a completa subalternidade que,”inexplicavelmente” se tranforma em seu oposto, uma rebeldia que ultrapassa a insanidade.
Bem, obtive tudo o que queria do livro. E mais. Se você é um estudioso ou curioso acerca da psicanálise e ouviu, ainda que vagamente, sobre o famoso caso das Irmãs Papin, estudado por Lacan em sua tese de doutorado sobre a paranoia, certamente encontrará pontos de identificação/inspiração na construção da trama.
Palmas para a autora na execução dos capítulos. Poucos conseguem criar uma história de tamanha riqueza psicológica com a objetividade com que “Canção de Ninar” foi construída. Capítulos curtos e intensos, períodos breves e cortantes e, tcharam, o melhor: ela nos permite avaliar as ações, emoções, sensações e encontrar as respostas naquilo que não é dito, naquilo que não é feito, naquilo que não é, em suma, jamais revelado.
Poderia dizer Clarice acerca de Louise: possuía uma consciência tão inconsciente de si mesma que, por isso, se obedecia cegamente.
Aos leitores que busquem “respostas prontas” e “finais fechados”, procurem outro livro, talkey?
Aos que romantizam a maternidade: idem.
E aos que não conseguem entender que os seres “socialmente invisíveis” são muito mais complexos do que se espera/deles, ibidem.