Rafaelle 13/06/2023Uma obra primaDepois de quase 3 meses de leitura fecho esse livro que foi meu companheiro nessa fase tão nova da minha vida. Eu não esperava dar conta de um livro denso assim enquanto me descubro como mãe mas a leitura conjunta do @clubedofarol foi um chamariz irresistível. É com sentimentos mistos que me despeço de Anna, Vrónski, Kariênin, Kitty, Liévin, Dária, Oblónski, entre tantos outros. Ora com um gosto amargo na boca, ora com um sentimento de esperança na vida.
Com seu começo tão célebre, "Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira", Tolstói está nos preparando para nos debruçarmos sobre a infelicidade e a analisarmos minuciosamente. Cada página está impregnada de infelicidade, conhecemos um rol de pessoas infelizes, cada um à sua maneira. Se a felicidade sempre é parecida, a tristeza adota múltiplos motivos, caracteres e facetas. Alguns personagens parecem buscar a própria infelicidade com afinco, minar todas as chances de alegria. Outros parecem se deparar com a tristeza em cada esquina enquanto tentam fugir dela. E há aqueles que nos fazem sentir que levam a vida rindo porque ignoram a tristeza dentro de si.
E embora repleto de infelicidade, ainda assim é um livro que não tem uma leitura pesada. Tolstói escrevia com uma leveza que nos faz esquecer que estamos perante um clássico com quase 150 anos de idade. E com essa suavidade, no meio de tantas pessoas infelizes, aprendemos a encontrar a alegria ali, escondida entre as minúcias da vida. A felicidade dentro de Anna Kariênina se mostra não nos grandes acontecimentos, não na realização de um amor, não na realização acadêmica. A felicidade está ali, em um canto esperando que alguém olhe para ela em meio aos dissabores da vida e entenda que não é de grandiosidade que a alegria é feita.
Esse livro tem personagens tão humanos que parece que estamos lendo um recorte da realidade. Não parecem personagens criados, parecem um retrato de pessoas que conhecemos. E dentro desse leque de pessoas tem aquela com quem nos identificamos. Pode ser com Liévin em sua busca por um sentido na vida, com Kitty com seus sentimentos confusos, com Anna em seu desespero por amor. Para mim a conexão imediata foi com Dolly. Por ter tido bebê esse ano, não tinha como não me conectar com a personagem que apresenta um retrato tão realista da maternidade. Dolly mostra as alegrias e as dores da maternidade. Ela se preocupa com o futuro dos filhos, com a educação, com o caráter deles. Se questiona se queria ter tantos filhos. Sente a necessidade de ser amada. E ama, ama profundamente cada um dos seus pequenos. Ela tem as dúvidas e as fraquezas que uma mãe real tem. Uma das cenas mais bonitas do livro para mim é uma cena em que Dolly está com seus filhos na beira do rio, feliz e orgulhosa de cada um deles. E poucas páginas à frente ela já está exasperada com eles. Uma mãe real. Uma mãe que encontra a felicidade nos momentos bonitos e sofre nos momentos difíceis. Talvez a personagem que melhor sabe viver nesse livro.
E sobre a personagem que dá título ao romance, Anna é um furacão. Um turbilhão de emoções, uma bagunça emocional, um caos ambulante. Anna dá título à história talvez porque suas ações conseguem influenciar a vida de todos os personagens, mesmo aqueles com quem ela se depara apenas uma vez. Meus sentimentos por ela mudavam a capa parte do livro mas o que sempre se mantinha era uma sensação de desespero. Anna fixa sua mente em seu desejo a tal ponto que a torna cega para tudo mais ao seu redor. Fica tão obcecada pelo que quer que sequer consegue perceber quando já tem na mão. E é desesperador ver uma personagem como Anna sem poder gritar para ela abrir os olhos e ver o que está fazendo consigo mesma.
No final chego à conclusão que esse livro é um acontecimento. É um daqueles livros que fechamos e dizemos UAU! É uma daquelas experiências de leitura que sabemos ser única. Um desses livros tão bons que nos deixam triste por saber que encontraremos poucos no mesmo patamar. Na metade do romance eu já sabia que não daria menos que 5 estrelas, mas as duas últimas partes levaram essa história a outro escalão para mim. Meu vocabulário sequer tem um adjetivo que seja capaz de expressar o quão bom esse livro é e minha habilidade como resenhista ainda é ínfima demais perante uma obra dessa. Apenas peço que caso tenha lido até aqui, faça esse favor a si mesmo e leia Anna Kariênina.