Isabel.Souza 08/04/2020“Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.” Esta é primeira frase de um dos romances mais aclamados da literatura universal. A partir dessa frase, Tolstói constrói toda a narrativa de Anna Kariênina, uma narrativa nem um pouco convencional.
Hoje vim comentar com vocês minha experiência de leitura deste livro, que me tirou da zona de conforto, e foi minha companhia nesses dias de quarentena. Já vou adiantar pra vocês que não foi uma leitura fácil, porém, essa dificuldade não está relacionada com escrita do autor ou pelo fato de ser um livro clássico, nada do tipo. Meu maior esforço na leitura foi conseguir me relacionar com os personagens, acontece que até os 30% da leitura eu estava odiando todos os personagens e não conseguia entender o que o Tolstói tava tentando fazer nesse enredo. rsrsr Mas ao avançar da história eu entendi e também reconheci a genialidade que tanto ouvi falar da escrita e da construção de Anna Kariênina.
O enredo de Anna Kariênina se passa na Rússia do século XIX e é baseado em dois núcleos centrais: o núcleo da personagem que dá nome ao livro, sobre o contexto de um casamento infeliz, uma paixão carnal, o adultério e as consequências dentro da sociedade aristocrática da época. No núcleo do personagem Liévin, tão importante quanto, o foco é a perspectiva do campo, o senhor de terras que acredita na constituição da família, e que também se deixa envolver por uma paixão. É interessante observar a composição das duas estruturas que tem um desenvolvimento autônomo em certo sentido, não se relacionam diretamente, mas sob condições e acontecimentos coexistentes.
É difícil falar sobre todos os assuntos que envolvem o enredo, são muitos, e são trabalhados simultaneamente com as histórias principais. Na perspectiva da Anna, temas como: direito e papel da mulher na sociedade russa do século XIX; a “socialite”, ou seja, a burguesia e suas vidas de aparência; a vida em família, a sociedade e o adultério.
Com Liévin encontramos as discussões mais existenciais e filosóficas: morte, propósito da vida, religião e divindade. Questões práticas também estão presentes na trama de Liévin, questões estas, que estavam em voga e eram discutidas dentro da sociedade russa da época, como por exemplo: trabalho no campo, cargos públicos, mujiques, regime escravista, a participação dos russos na guerra dos sérvios contra os turcos, valores sociais e morais, o homem intelectual e o homem prático e por aí vai.
Acho que o mais marcante pra mim, e que foi o mais difícil de compreender a princípio, é a construção dos personagens, é o ponto alto de Anna Kariênina na minha opinião. Aqui não existe mocinhos, não existe vilões. São pessoas complexas, em conflitos com si mesmas e com outros, que agem por extinto, que agem por interesses e por suas justificativas. A moral é sim um tema muito importante, talvez o principal, mas fica totalmente a critério do leitor, em momento algum o narrador emite juízo de valor e isso dificulta muito o trabalho, essa é a grande sacada do Tolstói. A gente tem sempre esse impulso em sentenciar, classificar e o que o Tolstói faz aqui é te tira da zona de conforto, retrata o ser humano em suas diversas formas, com seus erros e acertos, ninguém pode ser totalmente bom nem totalmente mau na vida, isso traz um toque muito realista pra obra que é fantástico.
Enfim, eu já falei bastante. Acho que é uma leitura que me acrescentou muito, é aquele tipo de livro que você sabe que precisa ler pelo menos uma vez na sua vida. Não chegou a ser um favorito da vida, mas com certeza é uma leitura marcante que vale muito a pena.