André Foltran 11/03/2019Como escrever um romanceNão sei como começar esta resenha, nem aonde chegaremos. Mas suspeito. Li, certa vez, num desses informativos rápidos de pesquisas reveladoras realizadas por um obscuro instituto x da Botsuana, que a literatura tinha esgotado seus temas. Os autores já não compunham histórias -- os resultados da pesquisa apontavam -- mas histórias de autores compondo histórias. O narrador médio do nosso tempo seria um escritor, branco, hétero -- porque um reflexo do próprio autor médio -- que enquanto narra os sofrimentos de parir um livro, já aproveita para escrevê-lo. Daí se seguem altas aventuras literárias, recheadas de gozos, tanto sexuais quanto metalinguísticos, que, na maioria das vezes, só interessariam a outros pretensos escritores -- homens, brancos, héteros -- numa literatura feita quase que exclusivamente para seus pares. A velocidade da luz é tudo isso, mas é mais. Seu narrador, um aspirante a escritor, cujo nome jamais é revelado e que se parece muito com o próprio Javier Cercas, aceita o convite de lecionar em Urbana, nos EUA, no final dos anos 80. Lá divide sala no Departamento de Letras com Rodney Falk, um tipo culto e excêntrico, ex combatente de guerra. É aí que o clichê se desmonta, nesse personagem real, tão real que só pode ser inventado, tão real que não me espantou ler, no posfácio do Carrascoza para esta edição, o encontro que o brasileiro teve com o próprio, na penumbra de um hotel, numa dessas viagens pelo espaço-tempo que os escritores costumam fazer. Com Rodney, que carrega em seus ombros todos os horrores da guerra do Vietnã, e de quem a história precisa ser contada, Cercas faz um estudo de personagem, ao mesmo tempo em que um tratado sobre a fama, ensaio sobre o fazer literário, autobiografia, romance... E então, quando você chega às últimas páginas do livro, surpreso com sua engenhosidade, quase entende o porquê dessa fórmula "escritor escrevendo um livro" ser ainda tão usada: é porque, além de inesgotável, é genuína, um dos temas mais prementes a qualquer escritor: a escavação de uma história, a arte de escrever, de ultrapassar a velocidade da luz e viajar no tempo. De modo que, se não sabia começá-la, sei agora onde termina esta resenha. Acaba aqui.