Bruna.Duailibe 28/07/2023
E o resto é só silêncio
Depois de passar anos recusando qualquer livro que não fosse escrito em prosa, precisei ler Hamlet para o clube do livro. Por coincidência, também foi meu livro lido nº 200 (de acordo com o skoob). Foi então um marco simples elucidado em grande estilo.
Considerado por muitos a melhor peça de Shakespeare, Hamlet não é na verdade uma peça totalmente original: foi baseada na narrativa medieval de Saxo Grammaticus, ?Gesta Danorum? que traz Amleth no papel de protagonista. Porém, o ponto principal da peça não é sua história em si, mas a profundidade psicológica de Hamlet durante a sua busca por vingança (fator que corrobora para o reconhecimento da peça interpretada por Shakespeare).
Mas afinal, o que Hamlet, o jovem teatral e dramático pode nos despertar?
O primeiro ponto, e sua célebre frase, ?ser ou não ser??, que a uma primeira instância, reflete sua indecisão de tirar sua própria vida (Saber se é mais nobre na mente suportar/ As pedradas e flechas da fortuna atroz/ Ou tomar armas contra as vagas de aflições/ E ao afrontá-las, dar-lhes fim). Hamlet é, essencialmente, um jovem que sofre pelo seu destino. Porém, apesar da sua divagação inicial, na mesma cena do seu solilóquio, sua fala tem uma virada que remete a tomada de ação. Ele passa a considerar então, se sua procrastinação de realizar a vingança do pai é um ato de covardia mascarado de prudência. Hamlet busca a vingança perfeita, as circunstâncias ideais e reflete tanto sobre as consequências de suas atitudes que perde a oportunidade de agir diversas vezes. O resultado de tanta demora é a tragédia compartilhada dos atos finais. Enfim, quantas vezes não somos Hamlet?s esperando o momento ?ideal? de agir?.
O segundo ponto são suas divagações acerca da morte. Na clássica cena do personagem segurando o crânio de Yorick, o bobo do rei, Hamlet se pergunta se afinal, todos ficaríamos assim depois da morte. É tanto que só descobre se tratar do crânio do seu próprio companheiro após o coveiro confirmar de quem o pertencia. Após uma série de conjecturas sobre o retorno do humano ao pó, comenta: A terra que causou assombro em meu tempo/ É só pó cimentando um muro contra o vento?. Em uma cena dramática da tomada de consciência a respeito da solidão da morte e sentimento de perda dos entes amados, é surpreendido com o enterro de Ofélia, morta indiretamente pelos seus próprios atos.
E por fim, a corrupção própria da natureza do homem como permeadora de todas as cenas. Nenhum personagem é a idealização de nenhuma virtude ou de todo o mal. Nem mesmo nosso suposto ?herói? que procura livrar o reino da Dinamarca do seu regicida e usurpador é alguém digno de tanta admiração. Hamlet, em busca de seu objetivo, despreza Ofélia e sua mãe Gertrudes, mata Polônio em seu acesso de raiva e condena Rosencrantz e Guildenstern a morte. A corrupção da Dinamarca vem de dentro. O envenenamento auricular de Cláudio para o velho Hamlet forma coágulos: ?(?) do microcosmo (corpo do rei) ao macrocosmo (do país), a irrupção de crostas na pele simboliza o próprio tecido político que se rompe (?)?. Na corte da Dinamarca são todos atores dentro de uma peça. Alguns tão óbvios e outros nem tanto. Nas palavras de Marcelo: Há algo de podre no Estado da Dinamarca.