vininho 19/10/2022
Segundo da série Fronteiras do Universo, é difícil defender!
Há muitos spoilers sobre A Faca Sutil e A Bússola de Ouro
Continuação das aventuras de Lyra da Língua Mágica, A Faca Sutil (publicado em 1997) segue o grandioso final de A Bússola de Ouro (1995), onde uma porta para outros mundos é aberta e Lyra precisa descobrir mais sobre a existência do Pó. Menor do que seu antecessor, este livro é considerado pelos fãs como o melhor da saga, porém, não consigo desfrutar dessa história e fico incomodado na maior parte da leitura.
Will é uma criança calejada demais para sua idade, e se vê na pré-adolescência precisando se virar sozinho e cuidar de sua mãe, que sofre com problemas psicológicos - ou relacionados a alguma magia. De início, acho muito fantasioso (até mesmo para um livro situado em um universo fantástico) o personagem deixar sua mãe com sua ex professora de música e sair dali como se nada estivesse acontecendo. Ademais, acho o personagem extremamente chato e grosseiro com Lyra; obviamente entendo seu passado e as justificativas para o personagem agir desse jeito, mas há algumas cenas que se tornam insuportáveis com sua presença.
Além disso, Lyra parece estar um pouco fora de cena aqui, além de parecer um pouco descaracterizada. A personagem passa por um arco no primeiro livro, onde sai de Oxford como uma menina boba e arteira, até chegar a um estágio onde consegue impor melhor seus desejos. Em A Faca Sutil, ela passa o tempo inteiro chorando e pedindo desculpas para Will. Pode ser que eu tenha perdido algo no caminho, ou houve alguma alteração que eu não consegui associar, contudo, em alguns momentos não consigo enxergar como a mesma personagem do livro anterior.
Além do mais, essencialmente gostei de como os daemons (ou a falta deles em alguns personagens) fora abordada. Em uma cena, Lyra afirma a Will que com toda certeza ele possui um também, porém, diferentemente de seu mundo, ele fica dentro de Will e não está visível para os outros ? aqui é um exemplo de como a personagem é esperta demais para passar um livro inteiro chorando. Ademais, pela falta de daemons, Will consegue fazer a leitura de uma pessoa através dos trejeitos e das reações ou expressões faciais, algo que a Lyra não é capaz por estar acostumada a interpretar as pessoas através de deus daemons.
Assim como no primeiro livro, Pullman não poupa ninguém das descrições viscerais das mortes e torturas que acontecem nesse universo. A sra. Coulter consegue estar mais vilanesca neste do que no passado, ao torturar feiticeiras, matar ao bel prazer e controlar os espectros ? quase como uma rainha deles. Já lorde Asriel, na construção de uma fortaleza e reunindo um grande exército para matar Deus, acaba não aparecendo neste livro. Entretanto, acredito que fica mais claro a distinção entre esses dois personagens: um deles é movido pela fé cega e por um falso moralismo, e o outro é o ?cientista louco? das histórias que quer acabar com alguma força maior. O mais interessante disso tudo, é como eles dois, que personificam essa antítese, se apaixonam no passado.
Lee Scoresby é o único que posso defender nesse livro. A conexão que ele possui com Lyra ? que, diga-se de passagem, talvez necessitasse de um maior desenvolvimento ? é muito fofa. Sua morte é impactante demais, e o contato final que ele possui com Hester mostra o quão os dois eram ligados, apesar das friezas. Além dele, devo dizer que amo a dra. Mary Malone, mas isso é mais por saber do papel que ela irá desempenhar no último livro, do que por achar que ela tenha sido um destaque neste ? apesar disso, amo a cena onde ela rejeita a ajuda do sir Charles, enquanto seu colega de trabalho deixa para trás todos os seus valores para conseguir o financiamento do projeto.
?Me parece que o lugar de combater a crueldade é onde ela está, e o lugar onde se presta socorro é onde ele é necessário.?
Estes capítulos adjacentes à narrativa de Lyra e Will (Lee, as feiticeiras, a dra., o pai de Will etc.) são extremamente superiores, não dá nem para fazer muitas comparações. Já que mencionei o pai de Will, a sua morte é bem chocante e dolorosa ? apesar de ser um pouco antecipada, devido ao enredo trágico que Pullman vem costurando desde o primeiro livro. Ademais, sir Charles representa um personagem muito interessante por ser um cavalheiro honrado... ou, pelo menos, deveria ser. Acredito que sua apresentação na história seja uma grande crítica a corrupção e a existência desses personagens políticos esguios na nossa vida real. Em conclusão, o final é bastante promissor, com a chegada dos anjos e a Lyra raptada pela sra. Coulter ? não vejo a hora de reler A Luneta Âmbar.