murilo 26/08/2010
Os quadrinhos alcançaram um patamar nunca imaginado décadas atrás. O de terem status de arte, sendo estudados em universidades e ganhando mais reconhecimento que muitos livros. Vide Maus, o primeiro gibi a ganhar um Pulitzer, e Fun Home, eleito melhor livro do ano pela Time. Em meio a tantos títulos essenciais para qualquer pessoa com gosto pela leitura pode ser difícil levar a sério Scott Pilgrim. Mas a verdade é que a obra de Bryan fala muito mais sobre a atual geração do que um Persepolis ou Sandman, embora ambos sejam de valor inestimável. Scott Pilgrim mostra a geração do vídeo game, da cultura pop e da internet como poucos quadrinhos já mostraram. O sucesso não veio à toa. São milhares de fãs ao redor do mundo, um movimento de adoradores que não se vê com nenhum gibi ocidental (No Oriente é outra história) e que transformou a figura do baixista canadense e folgado em um ícone.
Scott Pilgrim poderia ser apenas mais uma tentativa de fazer mangá fora do Japão, mas Bryan O’ Lee Malley foi muito além. Em vez de fazer como muitos fanzineiros, que desenham histórias de colegiais japoneses sem nem mesmo conhecerem o Japão de verdade, o canadense explorou as características que fizeram dos mangás um sucesso global e uniu com as suas próprias para criar algo novo. Scott Pilgrim é a história de Scott, um canadense desempregado por opção que para poder namorar Ramona Flowers precisa derrotar seus sete ex-namorados do mal. Esse é o famoso esquema dos shonen mangás de porrada, onde cada adversário é mais poderoso que o anterior. Porém, o autor aproveitou essa temática para contar a história de personagens canadenses e seus relacionamentos, além de explorar uma das suas grandes paixões, os games. Algumas referências estão entre as piadas nerds mais geniais já inventadas. Mas o humor não se resume a isso. Os personagens, relevando-se os exageros cômicos, comportam-se como pessoas normais e é impossível não gargalhar com coisas comuns, como o Scott sendo sacaneado pelos amigos.
Vi algumas pessoas reclamarem do traço de Scott Pilgrim, mas tenho motivos para acreditar que as pessoas que disseram isso entendem muito pouco de quadrinhos. Primeiro, o traço dos mangás sempre foi mais voltado para o caricato e não o anatômico como costuma ser nos comics. Segundo, o traço de Malley cumpre seus objetivos aqui. Consegue contar a história sem confundir a mente do leitor, ser engraçada e os personagens são carismáticos. Os desenhos só são um pouco desleixados, mas nada que atrapalhe a leitura.
Contudo, Scott Pilgrim não é perfeito. Algumas passagens são muito truncadas, lentas e cansam um pouco de ler. As piadas às vezes são irregulares, variando de hilárias e umas que nem todos devem achar engraçadas.
A edição nacional de Scott Pilgrim Contra o Mundo feita pela Companhia das Letras tem os dois primeiros volumes dos seis. Minha única reclamação é o tamanho, pequeno demais para as quase 400 páginas da HQ. Não dá nem pra abrir direito. A tradução ficou bem interessante. Eu já conhecia o Érico Assis pelos seus textos sobre quadrinhos na internet. A minha surpresa foi abrir Scott Pilgrim e descobrir que ele também é tradutor. E não poderia ter tomado decisões mais acertadas nessa adaptação. Usou gírias e frases aos jovens brasileiros, e até nossos vícios de linguagem, como “Eu não achei ela.” O resultado é uma maior veracidade. Os personagens de Scott Pilgrim falam como jovens de verdade, um resultado melhor do que uma tradução que seguisse fielmente o português.
Agora não me resta outra coisa a não ser esperar a Companhia das Letras publicar logo os últimos dois volumes da história para ver como será o resto da jornada de Scott Pilgrim para derrotar a Liga dos Ex-namorados do mal.