Lucas1429 01/05/2024
A cegueira que nos faz Ver
Já havia terminado esse livro há um tempo, mas levei um tempo ainda maior para digerir tudo isso e pensar bem no que escrever, porque esse livro foi denso para mim, com muitas nuances, mas também foi fantástico e entrou para a lista dos meus favoritos. Foi uma experiência que eu não sei explicar em palavras.
Para quem não está acostumado com a escrita do Saramago, o livro pode ser um desafio, como foi para mim no início, mas eu asseguro que caso você se permita adentrar a fundo nessa história, com o tempo, você vai se acostumar e o livro vai fluir que é uma beleza. O Saramago escreve quase que sem pontuação, como se fosse um fluxo de consciência, e até os diálogos não são destacados com travessão, mas reitero que é só uma questão de se acomodar com a escrita do autor.
O livro é um grande “E se?” “E se todos ficassem cegos?” Com isso, o Saramago nos conduz a uma história tão trágica, tão crua que revela o cerne do ser humano. Basta uma simples cegueira para que o mundo humano desmorone em questão de dias, para que o mais racional dos seres se revele também o mais frágil e volte à animalidade. Toda essa cegueira e a internação daqueles que foram acometidos por ela mostra o quão deplorável o ser humano pode ser e mostra, de fato, o que o ser humano é. Parece meio paradoxal, mas a cegueira branca nos faz enxergar. Enxergar o ser humano. “[...] só num mundo de cegos as coisas serão o que verdadeiramente são”. Nessas condições, aquele que mais sofre é aquele que ainda pode enxergar. Este tem a responsabilidade de reparar.
Não se trata de uma cegueira física somente, mas também de uma cegueira moral, por isso temos tantas cenas de brutalidade, de ódio, de medo, de covardia, de indiferença. “Vemos” cenas tão chocantes por parte dos militares que mesmo não estando cegos pelo “mal branco” estão cegos de certo modo, e depois acompanhamos uma enorme degradação daqueles que não veem senão a brancura. São cenas que causam um completo asco e embrulham o estômago de uma maneira indescritível, não só pelo que acontece de fato, mas também pelo modo como nos é contado. Esse é um livro que eu não recomendaria a todos.
Livro impactante e reflexivo que Saramago escreveu de maneira magistral e filosófica, nos fazendo perceber que mesmo antes da “cegueira branca” já éramos cegos.