CrisIngrid 25/06/2024
Minha experiência de leitura
“Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem.”
Alguém ainda duvida de que a literatura é um meio extremamente eficaz de dar um mergulho na alma humana e investigar suas potencialidades para o bem e para o mal? Pensando nisso, teria Saramago recorrido ao termo “ensaio” para intitular seu romance por puro acaso? Isso sempre me intrigou. Após buscar saciar minha curiosidade, chego à conclusão de que concordo com Lima (2008) quando diz que, ao intitular sua obra (prima!) dessa forma, Saramago buscava “uma forma nova de olhar e entender o que já é parte integrante e conhecida do nosso universo”. O autor buscava uma nova percepção, desafiando-nos a questionar as camadas mais profundas da nossa existência e do mundo que habitamos. A que nível se pode levar a maldade humana?
A narrativa se inicia com uma misteriosa epidemia de cegueira branca que assola uma cidade, deixando todos os seus habitantes subitamente privados da visão. Os afetados são isolados em quarentena, levando a sociedade a mergulhar rapidamente no caos e no desespero. A história segue um grupo liderado pela esposa de um médico, que inexplicavelmente mantém a capacidade de enxergar. Ao longo do romance, o autor explora (1) a incompetência e crueldade das instâncias governamentais ao deixar os cegos chegarem a condições sub-humanas; (2) o perigoso despreparo do exército, que mata a torto e a direito; e (3) as consequências do terrível, distorcido e sempre presente senso de oportunidade para praticar o mal, evidenciado pela cegueira.
Mais do que isso, o autor nos convida, não por meio da cegueira experimentada pelos personagens, mas através de uma visão lúcida, a constatar o quão podre o ser humano pode ser. Desculpe, não há forma bonitinha de dizer isso. Exatamente por isso este é um livro para ser lido em pequenas doses, para não nos envenenarmos com toda a raiva que vai brotando a cada situação absurda, cruel e desumana. É chocante perceber que não precisa de muito para o ser humano ficar cego da razão, dos afetos, da sensibilidade.
Um romance potente, visceral e assustadoramente lúcido.
Este é o convite de Saramago: feche os olhos e veja.
E, vendo, repara.
"É desta massa que nós somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade."