spoiler visualizarHeloisa 29/02/2024
Nem eu nem nós - todos somos cegos
Acabei de ler ?Ensaio sobre a Cegueira?, e finalmente respirei!
A reação está sendo digerida, e não vai ter chá de boldo que ajude nessa digestão. O peso da cegueira nessa obra é apresentado sem qualquer pudor.
Experimentar uma leitura como essa é impressionante em vários aspectos. Primeiro que Saramago tem uma escrita muito própria, não importa se a gramática diz que tem que ter um travessão depois dos dois pontos, Saramago vai lá e subverte. Nossa língua portuguesa, viva e grandiosa flui de tal forma que nada pode atrapalhar sua ordem.
Depois de superada a impressão diante da forma, ler Saramago é um desafio, a cegueira vai se apossando de cada personagem como uma onda, e não conseguimos conexão com nada, é aleatória? É proposital? Até que em dado momento, não importa porquê se tornaram cegos.
A saga da cegueira começa com o ?primeiro homem?, passa para o ladrão, depois para a prostituta, o taxista, a atendente do consultório, e por aí a diante. Saramago não poupa ninguém dentro da epidemia que criou.
Minha experiência com essa leitura me lembrou o livro ?A Metamorfose?: O homem é reduzido a um inseto, julgado e condenado sem qualquer apelação. Os cegos perdem suas identidades, ninguém tem um nome, o primeiro infectado é chamado de ?o primeiro homem?, o Adão do novo mundo.
Os cegos perdem a liberdade e a dignidade. Tornam-se primitivos por esta perspectiva vivem pelo primordial, guiados pela fome e pela sede, o que me lembrou, com os devidos recortes, ?A Guerra do Fogo? e ?Prometeu Acorrentado?.
O grotesco encontra com Pandora! Não é um livro fácil. A única personagem que enxerga é a mulher do médico, e por que? Minha opinião é que os olhos dessa personagem são as janela para os olhos do leitor, éramos nós que víamos a podridão do homem, onde nem nossos santos estariam olhando por nós.
?E se todos ficassem cegos?? - Não estamos cegos? Saramago foi genial!