Tarsila 29/03/2012O inverno está chegandoCalafrio é o primeiro volume da trilogia Os lobos de Mercy Falls.
Grace, 17 anos, sente-se atraída pelo bosque próximo à sua casa. Tem admiração pelos lobos que lá vivem, especialmente por um, preto e de olhos amarelos, que chama de “meu lobo”. Ela foi atacada quando tinha 11 anos, e sabe que foi por intervenção dele que se mantém viva.
Depois que Jack, um garoto de uma família imponente de Mercy Falls, é atacado e, acredita-se, morto, inicia-se uma caça aos lobos, o que perturba profundamente Grace. Ela procura impedir a morte deles, mas é levada para casa por um guarda. Ali, encontra, nu e ferido, um rapaz com os olhos e o cheiro de seu lobo. Seu lobo, como instantaneamente reconhece.
Assim começa de fato a relação de Sam e Grace, que, após tantos anos de contemplação silenciosa, após anos cultivando um amor baseado no que os dois representavam, passam a se conhecer e a se amar pelo que são.
“Pela primeira vez na minha vida humana, minha mente não divagou compondo uma letra de música nem guardou o momento para uma reflexão posterior.
Pela primeira vez na vida,
eu estava ali
e em nenhum outro lugar.
E então eu abri os olhos e éramos apenas Grace e eu – nada além de Grace e eu –, ela apertando os lábios como se quisesse manter meu beijo dentro dela; e eu segurando aquele momento, que era tão frágil quanto um pássaro em minhas mãos.” (P. 81)
A transformação de Sam se dá pelo frio. Os lobisomens costumam passar alguns anos se transformando em humanos na primavera e voltando para a forma de lobo no inverno. Até que depois são apenas lobos. Sam, no entanto, não teve tantas transformações quanto os outros costumam, e crê que essa é sua última vez.
Sam e Grace procuram estar sempre juntos, deleitando-se com a companhia um do outro, convivendo com a sombra da perda que inevitavelmente se aproxima. Durante esse tempo, Sam vive em sua casa, facilmente oculto aos ausentes pais de Grace.
Não sabem por que Grace foi mordida e não se transformou, e isso é motivo de pesar, pois eles desejam fazer parte plenamente da vida um do outro, amando-se em qualquer forma, de um jeito único. A transformação de apenas um mais parece uma morte, embora que possivelmente reversível.
Vários conflitos paralelos se desenvolvem no livro. Os pais de Grace claramente falhos em sua responsabilidade para com a filha. As amigas de Grace, Rachel e Olívia – a única que compartilha seu encanto pelos lobos –, e a forma sutil como elas distanciam, com uma amizade que perdeu o sustento.
O passado de Sam é acompanhado em várias analepses, e nos é apresentado como foi quando ele foi mordido, as primeiras transformações, a reação dos pais, os traumas, o apoio e afeto que recebeu de Back, líder dos lobisomens quando humanos, e a dolorosa semi-inconsciência em que mergulha quando se torna lobo. Ainda há Shelby, loba da alcateia que o deseja e não compreende seu apego à humanidade.
Jack, sendo um novo lobisomem, e, portanto, instável, preocupa a alcateia que não quer se expor, e sua irmã Isabel, influente e desagradável, de repente está envolvida em toda situação.
A narração da história se alterna em capítulos de Sam, constantemente formulando letras de músicas, e de Grace, prática e objetiva. Em cada capítulo acompanhamos a temperatura que faz na cidade gelada, e a chegada do inverno causam certa tensão. Está continuamente presente a sensação de fugacidade, da fragilidade da manutenção daquilo que é importante para nós.
“Estávamos chegando e, passando por uns carvalhos a caminho de casa. Folhas sem brilho, de um laranja meio marrom, secas e mortas, agarravam-se aos galhos e oscilavam ao vento, esperando a rajada que as derrubariam ao chão. Era isso o que Sam era: transitório. Uma folha de verão agarrando-se, o máximo que conseguisse, a um galho congelado.
– Você é bonito e triste - falei afinal, sem olhar para ele. – Assim como seus olhos. Você é uma canção que ouvi quando era criança, mas que esqueci até que a ouvi de novo.” (P. 181)
O livro é uma fantasia, há uma relação entre um lobisomem e uma humana, mas possui diferenciais que o distanciam de boa parte de livros com essa temática. Não existe o bem e o mal bem-delimitados. Não existem inimigos que precisam ser combatidos. A luta que existe é para ficarem juntos. É contra a condição em que Sam está preso. Contra a separação iminente, o fim. A busca por uma cura.
Beck, que foi como um pai para Sam, tão confiante e gentil, comete erros quase imperdoáveis. Isabel é enxergada além de sua maquiagem e seu salto alto, igualmente humana.
A história não me conquistou rapidamente, considerei-a entediante em alguns momentos, mais uma da onda Crepúsculo; porém reconheci a boa construção dos personagens e dos conflitos humanos. E por mais que a história seja fantasiosa, o que mais traz são dores reais. A linguagem da autora também foi um fator positivo, ela introduz poesia, trabalha palavras e expressões construindo imagens que nos surpreendem.
Então se você está cansado de histórias com personagens sobrenaturais, talvez não aprecie o livro. Talvez o ache repetitivo quando começa o: “Então você é lobisomem? Mas que tipo? O que funciona e não funciona com você? Sério que não tem isso de lua cheia e balas de prata? E a alcateia se comunica por imagens?! E sério que os olhos são os mesmo, humanos ou lupinos?!” Mas talvez não, e você encontre aspectos de que goste no livro – o lirismo, as palavras ditas no silêncio, os sentimentos delicados, a tristeza, o frio, a distância... Eu encontrei, e creio que eles fizeram com que o livro não se tornasse banal.