Nana Barcellos | @cantocultzineo 07/05/2023
Doggerland realmente existiu, mas em algum ponto da história da humanidade tornou-se submersa. Num ponto entre o Reino Unido e os países nórdicos, a autora sueca Maria Adolfsson resolveu criar uma área não submersa neste local misterioso e usar como cenário para sua série policial - algo que trará bastante liberdade criativa para os caminhos que envolvem sua protagonista.
Karen Eiken Hornby nasceu e cresceu nesta pequena área gélida. Agarrou a oportunidade de se mudar para Londres e tentar construir uma nova vida distante da pesca e do gelo. Após um trágico acidente, Karen retornou à cidade natal e tornou-se uma detetive. Nem tudo são flores, pois Karen está sempre lidando com vários desaforos masculinos em sua equipe. Seu empenho nas investigações nunca é o suficiente, sobretudo para conseguir uma promoção.
Quando Susanne Smeed é encontrada morta em casa, por um vizinho, a vida profissional – como também a pessoal – da detetive Eiken é atingida. Na hora do crime Karen estava em um hotel, especificamente na cama e com seu chefe ogro – marido de Susanne – Jounas Smeed. Ambos beberam além da conta durante um festival local e terminaram a noite colhendo arrependimentos. Inesperadamente, Karen acaba por tornar-se álibi do chefe e supostamente o elimina da lista de suspeitos. Mas não de outras coisas estúpidas que notamos no decorrer da leitura.
Com Jounas Smeed afastado do caso pelo tom pessoal, Karen assume a liderança da equipe. Não tem apoio de todos, mas o suficiente para avançar na resolução. O problema é que boa parte espera que ela falhe, assim as oportunidades e prazos lhe escapam. O caso se faz cada vez mais complicado, sem nenhuma pista ou direção. Todos tinham motivos para não simpatizar com a vítima, inclusive a filha adolescente dos Smeed.
Sem caminhos no presente de Susanne, a detetive Karen resolve vasculhar sua origem e chegada na ilha. A família da vítima não era local e Karen descobre que não foram bem recebidos. Deste modo, em narrativa paralela, acompanharemos a chegada dos pais de Susanne mais a complicada relação com os moradores locais que nunca simpatizaram com suecos e seu estilo hippie. Os pais da vítima residiam com amigos em um casarão distante de todos, algo que sempre gerou mais comentários maldosos. E parte destes moradores ainda estão por lá, com todas as histórias daquela época bem vívidas em suas mentes. E podem ser a chave para a conclusão que Karen tanto anseia para provar seu empenho.
"Apenas em seu passado foi que Karen conseguiu vislumbrar um bloco de gelo em que se segurar. Ela tinha de ir para casa. Tinha de voltar para casa."
Minha maior felicidade literária é sempre ter um bom mistério para ler, mas policiais nórdicos sempre ganham uma pitada a mais da minha empolgação. A narrativa sempre puxa para um tom mais frio e realista na construção de seus personagens - muitas vezes dominada por cenários sanguinários. Entretanto, em Pistas Submersas não há nenhuma pretensão da autora Maria Adolfsson em tornar seu mistério um rio de sangue. Não há alardes sobre um possível serial killer - a morte de Susanne é o ponto do início ao fim - então desta vez o leitor estará entretido com todo suspense em torno do passado da vítima.
A autora decidiu intercalar passado e presente. Acredito que lidou bem com as pistas envolvendo a família de Susanne, pois atiçaram minha curiosidade para as próximas páginas daquela época. O grupo de amigos suecos realmente sabia como causar. Ha! Mas, por trás daquelas paredes do casarão, havia muitos segredos envolvendo os pais de Susanne. No presente, a construção da vítima deixa nítido o quanto era ressentida com alguma coisa. Todos os relatos infelizes sobre seu comportamento parecem levar ao mesmo lugar. Seu assassinato é realmente intrigante, eu mesma nem cogitei a tal ideia; no entanto a motivação é de fácil dedução.
Na frente deste quebra-cabeça - suspostamente - impossível está Karen Eiken Hornby, uma detetive solitária que está na faixa dos quarenta anos. A autora optou por aproximá-la ao máximo do leitor. O cenário prioriza a investigação, mas também nos leva aos seus momentos familiares, reuniões com amigos e seu lado emotivo. Karen é uma protagonista de passado doloroso e prefere preservá-lo junto a sua superação. Conforme as páginas avançam, compreendemos o porquê dela ignorar parte do comportamento tóxico de alguns dos colegas de trabalho. Adolfsson ressalta todas as problemáticas no trilhar da investigação, como o machismo que sua protagonista é vítima.
" - Nesse caso, vou saber que eu estava certa. Isso é o suficiente para mim."
E, claro, o cenário fictício acaba considerado um protagonista também. As páginas finais prometem retorno e mais um terrível mistério neste solo gélido. A construção surpreende pelas peculiaridades nórdicas - apesar do ar cidade pequena em que as pessoas se conhecem desde sempre. Neste primeiro volume há uma narrativa movimentada, repleta de personagens rabugentos e de tom cortante. Uma outra parte até soa bem-humorada, como a mãe de Karen e o colega investigador, Karl, que são dois interessantes a destacar. E o fofo gatinho Rufus. Foi meio difícil não imaginar que parte dessa galera irá morrer ou ser preso nos próximos volumes.
Acredito que Pistas Submersas seja uma ótima dica para quem está iniciando no gênero, sobretudo pela questão de não haver mortes a todo momento. Há grande foco na vida da protagonista e como ela lida com toda a pressão para solucionar o caso. Vários personagens se conectam a ela conforme a investigação avança. Os momentos finais prometem cenas eletrizantes, que certamente ficariam ótimos em uma adaptação. A revelação é surpreendente. Só poderia ser um pouco menor e livre de algumas exageradas repetições - apesar que os nórdicos são conhecidos por suas narrativas longas.
" - Você deveria tomar cuidado, Karen. Jounas sempre persegue mulheres que... Bem, mulheres como você."
Edição está bem grossinha e linda. Mais um ótimo trabalho da Faro Editorial. O livro inicia com uma página escura de fonte branca, alertando sobre a construção de Doggerland que acompanharemos na série de Adolfsson - além do mini mapa. A fonte está confortável e não nota-se erros tão gritantes de revisão. A capa apresenta um pouco do cenário gélido e com o título em relevo. Queria esse casaco vermelho.
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