Thaís Inocêncio | @thais_inocencio 15/04/2021Primeiro favorito do ano!Na adolescência, Trevor ganhava dinheiro pirateando CDs. Ele tinha talento pra isso: baixava álbuns que tinham acabado de ser lançados, criava coletâneas com as preferidas dos clientes e mixava músicas para serem tocadas nas festas. Mas de nada adiantaria ter talento e trabalhar duro nessas vendas - ainda que ilegais - se um amigo branco não tivesse lhe dado um gravador de CD, algo que ele não conseguiria sozinho.??
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Com essa história, Trevor nos ensina que ?é importante dar autonomia aos desprovidos e necessitados após um período de opressão?, como foi o apartheid na África do Sul, onde ele nasceu. Não me venha com esse papo de ?não dê o peixe, ensine a pescar?. De nada vai adiantar esse ensinamento se a pessoa não tiver como pescar. Então dê a vara de pesca a quem precisa. A pessoa terá que trabalhar da mesma forma, mas ela terá ferramenta para isso.??
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O que mais gostei nesse livro é que Trevor Noah usa suas experiências pessoais para nos ensinar sobre a estrutura do racismo e algumas formas de combatê-lo. Ele é ?nascido do crime? porque, durante o regime sul-africano de segregação racial, era punível com prisão a conjunção carnal entre europeus e nativos. Trevor é filho de pai branco, de origem suíça, e mãe negra, uma prova viva do desrespeito à lei de imoralidade.??
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Naquela época, a sociedade sul-africana era dividida pelo governo em grupos: brancos, negros, indianos e coloured. Como mestiço, Trevor sofreu muito preconceito e rejeição, pois não era suficientemente branco ou preto para se encaixar em lugar algum.
Os ?coloured? eram mesmo usados pra semear ódio e desconfiança entre os grupos. Ensinavam a eles que a culpa por não ascenderem era dos negros, então eles batalhavam para se tornar brancos. Acredite ou não, era possível pedir uma reclassificação para o governo, que usava características como o ângulo da maçã do rosto ou a largura do nariz para determinar onde você podia morar, com quem podia casar, no que podia trabalhar e assim por diante.
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Mas Trevor Noah foi criado por uma mãe negra rebelde e subversiva, um espírito livre que questionava o sistema e lhe ensinava a não aceitar as regras quando elas fossem absurdas. Como um dos maiores comediantes da atualidade, o modo como ele relata algumas passagens da sua vida nos fazem gargalhar - mas é inevitável chorar também.