Mateus 17/02/2021
Aquela ótima ficção-científica mesclada a questões raciais
Apesar de ter gostado da série da HBO baseada em “Território Lovecraft”, fiquei incomodado com alguns pontos na história por achá-los um tanto bobos, rasos e confusos. Assim, fui atrás do livro para tentar encontrar as explicações e o sentido que não vi na série – e gostei pra caramba (embora série e livro sejam, em sua maioria, completamente diferentes).
São muitos os trunfos da obra de Matt Ruff. O primeiro, sem dúvida, é a ótima história, que mescla questões raciais e sociais com ficção científica. Atticus Turner é um jovem negro que, após receber uma carta de seu pai, vai até uma cidade misteriosa acompanhado de seu tio George e da amiga de infância Letitia para resgatá-lo. Na viagem, descobre ser herdeiro de um poderoso “mago” e, enquanto continua sofrendo em meio a uma sociedade racista, vê na magia um apoio e uma ameaça.
Ao mesmo tempo em que gera asco nos leitores por expor o racismo terrível vivido pelos negros na década de 1950 nos EUA (além de abordar o racismo e a xenofobia descarados de H. P. Lovecraft), o autor cria uma história envolvente em que mostra que a fantasia e a ficção científica podem representar os mais variados públicos, mesmo em meio ao preconceito (e os crimes) dos autores do passado.
A narrativa de Ruff também é extremamente envolvente e cativa o leitor do início ao fim. Os capítulos de “Território Lovecraft”, que funcionam como contos e alternam o foco entre diferentes personagens, trazem uma dinamicidade ímpar e um ótimo ritmo à leitura, passando por diversos gêneros (terror, fantasia, suspense e a já citada ficção-científica). Os capítulos ainda fazem referência a outros livros e histórias (como “O Médico e o Monstro”, de Robert Louis Stevenson, e a lenda de Caim, um dos filhos de Adão e Eva), trazendo um embasamento bem interessantes à obra.
Outro ponto positivo são os personagens. Atticus, George, Letitia, Montrose, Ruby, Hippolyta e Horace, assim como o antagonista Caleb, são ótimos personagens. Eles crescem durante toda a narrativa e protagonizam ótimas histórias, com destaque especial para as personagens femininas.
Como disse, gostei muito da série baseada no livro e acho que algumas partes funcionaram muito bem na tela, mas o livro é mais ordenado e tem uma história mais redondinha. É ótimo a série da HBO ter feito tanto sucesso, pois assim “Território Lovecraft” ganha mais visibilidade (sem dúvida, é um dos melhores lançamentos dos últimos anos). E a fama também evidencia a importância de se discutir questões raciais – algo muito importante em qualquer época, mas extremamente necessário agora, nos tempos intolerantes em que vivemos.