laaisfischer 11/05/2021
Como é triste e belo.
Eu poderia falar sobre a escrita, sobre a construção com rompimento gramatical, sobre a profundidade dos personagens ou as referências simbólicas. Mas nessas poucas linhas eu quero falar sobre o poder descritivo desse livro. E quando falo sobre isso, não se engane; estou falando sobre a descrição dos sentimentos!
O livro inicia nos apresentado o Sr. Silva, que aos 82 anos perde a sua Laura e, com ela, TODO o motivo que ele conhecia para viver. Os filhos optam por colocá-lo na casa de repouso 'feliz Idade' com ‘dois sacos de roupa e um álbum de fotografias’ (mas retiraram-no em seguida, ‘ia servir apenas para cultivar a dor’). Narrado em primeira pessoa, vamos sentindo a fúria de um homem pelo mundo que lhe tira tudo, alguém que não entende para que serve a vida depois de tudo que perdeu. É impressionante a força das suas palavras, a forma como ele quer ferir os filhos, os companheiros, o mundo! A alegria em volta o ofende, como o mundo ousa a continuar sem a sua Laura? Mas também, é nesse ambiente de angústia e sofrimento que nosso personagem conhece a outra face do amor, a amizade. É por meio dos diálogos com esses amigos que descobrimos as marcas de viver nos tempos de ditadura salazarista; sentimos toda a agonia, o medo e impotência de viver em um regime intolerante. No presente, sem mais uma família a proteger, sem mais medo de represálias, sem mais a censura e de mãos dadas com os amigos de alma; Sr. Silva despe-se da apertada fantasia de “cidadão de bem”, deixa de ser regido pelo manual que só fabrica espanhóis sem metafísica e, finalmente, torna-se um ser humano que se conecta com as pessoas em volta. Sr Silva vive ao aproximar-se da morte e isso basta.
hugo mãe é genial, sua descrição sobre o sentir é mais forte do que qualquer discurso porque o leitor sofre como se fossem lembranças e sentimentos próprios; é absurdo, é visceral. E, sinceramente, nada do que eu escrever chega perto do que é esse livro, por isso:
Leiam valter hugo mãe, leiam ‘a máquina de fazer espanhóis’.
* 'preparem-se sofredores do mundo, o tempo não é linear... o tempo guarda cápsulas indestrutíveis porque, por mais dias que se sucedam, sempre chegamos a um ponto onde voltamos atrás, a um início qualquer, para fazer pela primeira vez alguma coisa que nos vai dilacerar impiedosamente, porque nessa cápsula se injeta também a nitidez do quanto amávamos quem perdemos, a nitidez do seu rosto, que por vezes se perde mas ressurge sempre nessas alturas, até o timbre da sua voz, chamando o nosso nome ou, mais cruel ainda, dizendo que nos ama com um riso incrível pelo qual nos havíamos justificado em mil ocasiões no mundo'.