Virgilio_Luna 21/10/2020
Somos silvestres, bons homens do fascismo
Para mim, essa obra de VHM se expressa em dois pólos: o pessoal e o coletivo. Pessoalmente, estamos na pele do sr. Silva, um homem de 84 anos, já no declive da idade, viúvo, a ter uma reflexão profunda sobre sua existência e os assuntos humanos, demasiado humanos. Um roubo da metafísica como arma ditatorial, uma abstinência da pessoa que se faz presente em vivência, mas, antes de tudo, reflexões acerca do tempo: sua falta de linearidade, isto é, seu caráter circular - como ocorre em Memórias Póstumas, quando a sandice e a razão conversam, "vida e morte, vida e morte. Há de ser sempre assim?".
No campo coletivo, em que suas reflexões ganham uma profundidade sedimentar, pode-se citar o grande trauma português: não ter identidade - "O temor de todo português é que haja um Salazar a se esconder na família de cada um", uma vergonha, culpa, da cidadania da abstinência - quase como se fosse desejada a volta da União Ibérica: Portugal, uma máquina de fazer espanhóis.
Não se iludam, a dualidade aqui apresentada é unívoca: o que é coletivo é pessoal; o que é pessoal é coletivo. A máquina de fazer espanhóis não pode existir concretamente, ela é a mente portuguesa artomentada, angustiada, por sua covardia perante Salazar, por sua aparente velhice - onde estão os bons fascistas para que o benfica volte a ganhar, para que os portugueses não desejem mais terem salários castelhanos, bocas castelhanas e barrigas castelhanas? É preciso uma máquina para tirar o fascismo da cabeça: a consciência, o mais corrosivo dos ácidos - é necessário para voltarmos a celebrar o outro como justificativa para nossa existência, um respeito a pluralidade, ao pensamento, não como as ditaduras - nas quais se roubam a metafísica humana e se transformam homens em estátuas.
"só acredito nos homens, finalmente, só acredito nos
homens, e espero que um dia se arrependam, bastava-me isso, que um dia genuinamente se
arrependessem e mudassem de conduta para que fosse possível acreditarem uns nos outros também."