Toca do Coelho 12/11/2020
Você caiu na toca do coelho, é muito bem-vinde a se sentar, não comer ou beber nada e ouvir um pouco sobre Morte matada.
Facilmente uma das minhas leituras favoritas do ano, a autora já tinha me deixado com um gostinho maravilhoso na obra que apresenta a idealização do sertãopunk - obra que se chama sertãopunk.
Em "Morte matada" Diniz entregou com maestria uma mescla de afrofuturismo e narrativa distópica nordestina (já escrevi sertãopunk tantas vezes que vou começar a usar hiperônimos), aqui temos Heloísa, Juciara e Kátia orquestrando a derrota do coronelismo em Cedrinho.
Por que deveria dar uma chance ao conto da autora?
Temos críticas sociais bem colocadas, um casal sáfico em destaque, afrofruturismo, distopia ambientada no Ceará, uma protagonista mais velha (quase não vejo muitas protagonistas de mais de 40 anos) e uma narrativa flúida que você consegue terminar em poucos minutos, mas que permanecerão na sua cabeça.
"Tem a lei da usucapião, mas, quando é pra ajudar pobre, a lei não serve de nada, né?"
É uma das minhas passagens favoritas, que sintetiza bem em como a autora está preocupada em causar uma imersão completa, indo além de meramente criar um mundo novo sem auxiliar ê leitore a compreender as narrativas sociais envolvidas naquele sistema.
"Enquanto houvesse gente que se lembrava de como era antes, havia o perigo de uma reação, mesmo com as coleiras"
No mundo de Diniz, o controle populacional é proporcionado pelo uso de coleiras de choque, não é possível ler sem fazer um paralelo com a escravidão, tanto pelo sistema de venda de pessoas quanto pelo conhecimento da distribuição racial no interior do Ceará, local marjoritariamente oprimido na obra, onde existem muitos povos indígenas e quilombos.
Poderia discorrer o dia inteiro sobre os aspectos narrativos e sociais de morte matada, contudo, encerro recomendando alegremente a leitura de mais uma obra nordestina da editora Corvus e salientando que o título é uma das minhas coisas favoritas, a pergunta: morreu de morte morrida ou morte matada? É uma das expressões nordestinas que mais aprecio. Se você conhece essa expressão, vá ler o conto.