Coruja 15/05/2018Ao final de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, os irmãos Pevensie - que cresceram e passaram anos como reis e rainhas - retornam para casa, para o mundo mundano; mas retornam do ponto em que começaram a jornada, como crianças, ainda que com memórias de uma outra vida inteira passada. Um ano mais tarde, esperando na estação de trem para seguirem para o colégio em que estudam, são repentinamente chamados de volta para Nárnia. E, para seu choque, descobrem que mais de mil anos se passaram desde que sentaram nos tronos de Cair Paravel.
Os Pevensie foram chamados pelo príncipe Caspian, da casa real dos telmarinos, povo que invadiu Nárnia anos antes e ali assumiu o trono. O tio de Caspian, o rei Miraz, é um monarca cruel e traiçoeiro que persegue os verdadeiros narnianos; ao passo que o príncipe, que cresceu ouvindo histórias de um passado mágico, anseia pelo dia em que nobres centauros e alegres sátiros reapareçam, em que as árvores cantem com suas vozes de dríades e o Grande Leão apareça uma vez mais.
Publicado um ano após a primeira das crônicas lançadas, Príncipe Caspian introduz uma série de conceitos novos e expande seu mundo maravilhoso. Os Pevensie retornam para dar legitimidade a uma nova casa real e trazer outra era de ouro àquele mundo. O enredo gira em torno da guerra que se está travando, de ambição e cobiça, mas também de um modo de pensar e viver que muito se assemelha àquele das lendas arturianas. Cavalheirismo, coragem, mentores mágicos, jornadas heróicas, chamados à aventura… há de tudo um pouco nesse título da série.
Reler Príncipe Caspian esse ano rendeu-me algumas reflexões interessantes. A primeira, mais óbvia, é a comparação com a adaptação para as telas. Eu lembrava que no filme houvera uma intensa troca de olhares entre Susan e Caspian, bem como a tensão entre Peter e o novo príncipe. Estava meio que esperando essas situações se repetirem no livro e fui pega de surpresa ao perceber que estivera completamente esquecida do que realmente acontecia.
Embora pareça natural explorar não apenas um interesse romântico, como também o potencial confronto entre dois heróis pelo mesmo poder, Lewis não se interessou por trabalhar tais clichês. Os Pevensie são jovens de almas antigas; com memórias de uma vida anterior e também da vida de seu próprio mundo - uma existência que não foi fácil, considerando morarem na Europa dos tempos da Segunda Guerra Mundial. Caspian é provavelmente muito jovem e imaturo para a Rainha Susan e Peter tem seus próprios interesses e responsabilidades, e nenhum receio quanto a sua posição. Ele sabe exatamente quem é e o que realmente importa naquela nova campanha. Sabe que seu tempo passou e que o melhor para Nárnia, para o reino que um dia foi seu, é Caspian.
Caspian, por outro lado, é uma criança que apenas começou a compreender todas as perdas e traições que sofreu, ou mesmo qual seja o verdadeiro peso da coroa que lhe caberá ao final da história. Ele é extremamente corajoso, um puro de coração, como Galahad. E isso é extremamente interessante porque, pelos próximos dois livros da série, reencontraremos o príncipe, feito rei, tão seguro de seu poder e posição quanto fora Peter.
Príncipe Caspian não é, exatamente, uma alegoria religiosa nos moldes de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. Mas é uma história sobre princípios, sobre ética, e, claro, sobre fé. Numa carta escrita a uma leitora em março de 1961, Lewis explicou que o grande tema desse romance era ‘a restauração da verdadeira religião após a corrupção’. Sem se ater à linha religiosa, eu diria mais que se trata de uma história sobre reencontrar seu caminho.
Quando as crianças primeiro chegam a Nárnia, elas se descobrem inicialmente sozinhas, em meio a ruínas que só depois perceberão ser Cair Paravel. Quando estão a caminho do acampamento de Nárnia, Lucy vê Aslam, mas não tem certeza de ter realmente enxergado-o; ele lhe mostra o caminho que devem seguir, mas ela é incapaz de convencer os irmãos a seguirem-na… exceto por Edmund, que aprendeu sua lição no passado. Um a um, sua fé é medida, testada, até que todos possam enxergar Aslam e encontrar o caminho correto.
Enquanto isso, no acampamento dos narnianos, com o exército muito superior dos telmarinos à sua frente, Caspian também é colocado à prova, confrontado com a possibilidade de receber poder suficiente para derrotar o tio e se colocar no trono… mas ao preço de aliar-se a forças malignas e reviver ninguém menos que a Feiticeira Branca.
Príncipe Caspian é também uma jornada melancólica. Para Peter e Susan, que são avisados por Aslam que aquela será sua última visita a Nárnia por um bom tempo, toda aquela grande aventura é também um adeus. Mas dizer adeus é algo que eles estão fazendo desde o início, ao ter de lidar com o fato de que seu passado é apenas isso: memória. Eles são lendas em Nárnia, mas não têm mais um lugar real naquele existência.
Com tudo isso acontecendo, gostaria de chamar a atenção para um personagem em especial, meu favorito de toda a saga (ainda que meu livro favorito seja O Cavalo e seu Menino): Ripchip, o líder dos ratos falantes de Nárnia. A despeito do tamanho diminuto e de ser, bem, um rato, Ripchip é o personagem que melhor encarna o ideal do cavaleiro andante: retidão, respeito, compaixão, valentia e lealdade, tudo isso Ripchip tem de sobra. Toda vez que ele aparece, rouba a cena; o primeiro a se voluntariar para uma missão perigosa e o último a sair de uma boa briga.
Ripchip e Caspian retornarão no próximo volume, mas antes disso é bom lembrar que está rolando lá no blog o sorteio de três bloquinhos narnianos! Enquanto isso... vamos seguir em frente, que vem peregrinação por aí!
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