Coruja 24/05/2018Terminando, enfim, a jornada, temos a sétima crônica, A Última Batalha, em que, de início, Lewis já nos causa um choque ao estabelecer a ação 'nos últimos dias de Nárnia'. Sabemos que esse é o fim, mas um fim muito mais absoluto do que seria simplesmente o término da série, pois a própria terra de Nárnia vive seu final. Mais que isso, a abertura da história não nos traz crianças valorosas prestes a viver uma grande aventura, mas um macaco malicioso, que usa de um abominável estratagema para estabelecer poder em Nárnia.
Manhoso, o macaco, vizinho de um burro manso mas tolo, chamado, convenientemente, de Confuso, vive convencendo o ‘amigo’ a se colocar em posições de vulnerabilidade a fim de conseguir vantagens para si mesmo. É num desses estratagemas que Manhoso descobre uma pele de leão, costura-a em Confuso e passa a apresentá-lo para os outros animais de Nárnia como ninguém menos que o próprio Aslam. Arvorando-se porta-voz do Grande Leão (e afirmando também ser humano e não macaco), Manhoso faz acordos com os calormanos - que já conhecemos em O Cavalo e seu Menino como um povo traiçoeiro e belicoso - que permitem a destruição das árvores de Nárnia (e, como consequência, o assassinato das dríades) e a escravidão dos animais falantes.
Tirian, então rei em Cair Paravel, tenta fazer frente a Manhoso e convencer os outros animais que as ordens do macaco não podem ser provenientes do Grande Leão, não da forma como as histórias que todos eles ouviram com o passar das eras se passavam. A traição de Manhoso, contudo, é muito maior que apenas um breve lucro comercial com a Calormânia: disfarçados de mercadores, soldados da nação vizinha se infiltraram em Nárnia, e não demora para que estejam em número suficiente para tomar a capital, matando ou aprisionando seus principais opositores.
Capturado junto com seu fiel companheiro, o unicórnio Precioso, Tirian passa uma noite de agonia e desespero, caindo numa espécie de transe, no qual termina por encontrar-se com ‘os amigos de Nárnia’ reunidos - os Pevensie (exceto Susan), Jill e Eustace, Digory e Polly. Tirian implora ajuda, e eles respondem: pela manhã, Jill e Eustace chegam a Nárnia, prontos para o resgate.
A essa altura dos acontecimentos, contudo, é tarde demais. Tendo tomado Nárnia de forma covarde, os calormanos transformaram o campo de batalha em um banho de sangue. E, no centro da ação, onde Manhoso continua com seu teatro, será servido o julgamento final.
A última batalha por Nárnia pode parecer uma luta sem esperança, pois a verdade é que nada que qualquer dos personagens faça pode impedir o que já nos foi dito às primeiras linhas da história: esses são os derradeiros dias daquele mundo. Mas existe uma verdade maior por trás da porta do estábulo por onde vão sumindo os personagens. E existe um Jardim após o julgamento.
Se O Sobrinho do Mago é o equivalente do Gênesis, A Última Batalha é, decididamente, o Apocalipse. Essa é uma história que começa com falsos profetas que prometem trazer uma mensagem divina e fiéis crédulos que se sujeitam sem questionamentos ou reflexões. E termina com o julgamento, e as justas recompensas que cada um fez por merecer, de acordo com sua fé e suas ações.
E no desfecho descobrimos que o lugar que conhecemos desde que entramos pela primeira vez através do Guarda-Roupa era apenas o reflexo do verdadeiro mundo, da verdadeira Nárnia. Como diz o professor Digory (que no passado foi um menino que assistiu à Canção e, depois, foi o anfitrião de quatro irmãos fugindo da Guerra), “Está tudo em Platão...tudo em Platão…”. É o mito da caverna, uma vez mais.
É importante dizer que, da mesma forma que a cena de criação de Nárnia é de uma beleza comovente, sua destruição é tristemente poética. Lewis tem uma capacidade descritiva impressionante, concebendo imagens poderosas, emocionantes, desoladoras. Sua qualidade narrativa por vezes pode derrapar - trechos muito apressados, ou uma impressão de que ‘há penduricalhos demais nessa árvore natalina’ -, e há ainda muitas outras críticas a fazer (que ficarão para a próxima parte deste especial), mas ele decididamente sabe como fisgar nosso coração.
E é por isso, por mais que saibamos que aquele mundo de que desfrutamos e onde vivemos tantas aventuras, era apenas uma pálida imagem de um paraíso, não deixamos de amá-lo e, por consequência, de sofrer com sua destruição.
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