Camila Negrão 07/03/2024Genial intersecção entre sentimentalismo, tristeza, memórias e amores.Um livro dinâmico. Achei impressionante como Isabel Allende costura relatos tão tristes e sentimentais da doença da filha com outras lembranças de sua própria vida, passando por traumas, alegrias, ditaduras e até erotismo.
Foi meu primeiro livro da autora e achei que tem seus prós e contras em fazer dessa forma. Ler o livro ao mesmo tempo em que se descobre tanto sobre a autora automaticamente traz alguma empatia ou até intimidade com a história biográfica. Ao mesmo tempo, às vezes desejei que já houvesse lido os livros aos quais ela faz referência para entender quem Isabel é como contadora de romances e ficção e não como pessoa.
De toda maneira, "Paula" nos faz pensar sobre momentos diversos da vida - nossa relação com a família, nossa carreira e talentos, onde moramos, quem amamos e inevitavelmente, nos faz também refletir sobre a morte. Acompanhar o padecimento de Paula pelos olhos de uma mãe nos proporciona dor ao ler o livro, mas também é de se admirar a força e reflexões que Isabel faz ao longo desse ano de luta.
Confesso que a segunda parte do livro, quando Paula muda de cenário e as lembranças de Isabel já estão mais dedicadas à sua vida adulta, me cativaram mais. Foi a partir da página duzentos e alguma coisa que realmente me apeguei ao livro.
Na página 330, uma frase me deu arrepios ao ler e é esse sentimento que busco lendo obras tão sentimentais quando essa:
"morra filha, acrescentei em silêncio, pois minha voz não conseguiu sair".
A sensação de desejar tanto algo que não podemos falar em voz alta é muito bem traduzida nessa segunda metade do livro e Isabel é de uma transparência e honestidade gigantes ao expressar isso em sua obra.
Por fim, a leitura me lembrou uma fala de Ana Claudia Quintana Arantes de que, quando endoecemos e morremos aos poucos, pensamos ser um peso aos conhecidos e familiares. Mas na realidade, a morte lenta é mais fácil de se processar e aceitar do que uma morte repentina de alguém que amamos. Paula passa por isso e nos relatos de Isabel conseguimos observar como o processamento dessa dor e da morte se dá aos poucos com a família de Paula.