Naty
10/08/2010www.meninadabahia.com.br"Como a Alice da história de Lewis Carrol, eu mergulhava nas profundezas do espelho e não sabia se a pessoa no reflexo era eu ou uma impostora, uma sósia."
Alice foi uma criança irrequieta, gostava de ficar só, não gostava de contato físico. Não tinha amigos, não namorava. Não se conhecia.
Ao poucos, Alice começou a ficar anoréxica, depois começou a ouvir vozes, algumas vozes. Passou a beber, todo dia um golinho. Dois golinhos. Três golinhos. A bebida nessa altura lhe era essencial. Começou a ouvir várias vozes. Nove vozes.
A bebida já não lhe fazia efeito, precisava de algo mais forte. Passou a se drogar. Os tratamentos com psicólogos e psiquiatras não faziam efeito e nem amenizava as vozes. As vozes queriam que ela cometesse suicídio. Era uma guerra constante entre a vida e a morte.
Além das vozes, todo dia, desde criança, ela tinha o mesmo pesadelo:
"Estou com dois anos. Ele tira meu pijama e brinca comigo, fazendo cócegas. Molha o dedo e com ele percorre os lábios de minha vulva. Depois desabotoa as calças. Ele segura minha cabeça. Abro a boca sem que ele precise me dizer para fazê-lo, e então ele coloca na minha boca. Ele empurra e puxa, e depois enche minha boca com um líquido que tem gosto de leite azedo. Depois sobe na cama e o empurra na entrada da minha vagina. Outras, ele me coloca deitada de barriga para baixo e o coloca no meu bumbum. Dói muito. Tento não gritar, não quero deixar papai triste."
Hoje eu sou Alice, de Alice Jamieson (Larousse, 336 páginas, R$ 34,90) é o relato verdadeiro e honesto de uma mulher que foi abusada física e emocionalmente pelo pai, até parte de sua vida adulta. Uma mulher que desenvolveu, entre outras doenças e traumas, nove personalidades múltiplas, que a incitavam ao suicídio.
A sinceridade do relato me deixou espantada. Por muitos anos Alice se calou. Não conseguia admitir pra si que o pai era capaz de cometer tamanha barbaridade. Mas desde que, já adulta, foi estuprada por ele, ela conseguiu gritar. Gritar bem alto e se fazer ouvir. Alice é a prova real que sempre existe uma luz no fim do túnel. De que a esperança nunca morre.
Recomendo.