psykloz 02/05/2014Fui tomada pela atenção por se tratar de um livro pedagógico (relacionado à pedagogia e a psicologia da criança), e por induzir a um senso crítico para debate a respeito da temática educacional infantil.
No início, a escrita do livro transparece uma leitura técnica e pouco emocional: cronogramas, nomes, períodos. Essa identificação se transforma conforme o andamento dos capítulos e caminha para um envolvimento emocional com o que é ser criança desde o início, onde, cronologicamente a autora contou sobre a visão a respeito das crianças a partir do século XVI, incluindo do ponto de vista da necessidade e da valorização do brincar até os dias atuais.
A escola escolhida para a elaboração do trabalho de campo foi, sem dúvida, feita à dedo para que fosse possível observar a maior quantidade de problemas, desinformação e descaso. A visão refente ao conteúdo das entrevistas mostra-se clara devido ao claro posicionamento dos entrevistados e da pesquisadora a respeito do assunto. É interessante a utilização de trechos de entrevistas como títulos dos capítulos, dando início a novos assuntos e debates referentes a um comentário levantado em uma das entrevistas. A pesquisa toda foi muito bem elaborada, pontuando as dificuldades e demonstrando, por meio da pesquisa de campo, toda a problemática observada a respeito do assunto (pesquisa embasada do início ao fim).
A autora orienta-se pela teoria histórico-cultural de Lev Semyonovich Vygotsky onde a criança, como ser humano, é resultado de diversas etapas absortivas de espaço e relações sociais entre todos aqueles que estão inseridos em seu contexto natural de desenvolvimento. Dessa forma, as crianças precisam ter espaço para seu desenvolvimento pessoal, considerando que cada criança é um ser humano único com características próprias. Isso não acontece no quadro da educação infantil atual visto que, para atingir metas de ensino e alfabetização, os professores são pressionados a seguir o sistema apostilado onde "as apostilas servem para que todos os alunos tenham a mesma aprendizagem", coisa que não deve ser pensada sendo que cada ser humano se desenvolve de uma forma diferente do outro. Com isso, descartam-se suas particularidades e singularidades. A educação é vista desde o início da vida da criança como forma de prepará-las para o mercado de trabalho. Isso gerou um grande foco para o rápido desenvolvimento da sociedade e a necessidade do indivíduo em adaptar-se a essas mudanças. O ensino apostilado veio para fixar isto: "A tarefa educacional, que deveria ser 'uma transformação social, ampla e emancipadora', está cumprindo justamente a finalidade oposta - a de formar indivíduos cada vez mais submissos e dependentes do sistema, resistentes às mudanças sociais que não estejam ligadas aos interesses econômicos." (p.46).
Alguns pontos ressaltados no texto como, por exemplo, o isolamento da criança das outras crianças de faixa etária diferente da dela impedindo que, com essa interação, ela desenvolva a socialibilidade, a alfabetização apressada em detrimento de outras formações da criança e levantamento de questionamentos como "O que é a dificuldade de aprendizagem, para a escola atual? Quem tem dificuldade - a criança ou a escola?" (p.29) - relações com o capitalismo dominante, fazem uma crítica justa à realidade do ensino atual, onde o foco não está realmente no bem estar e no desenvolvimento da criança.
Tem-se que a escola está sendo um espaço para transmitir ensinamentos sem relação com o cotidiano e as necessidades das crianças. As crianças acabam sendo condicionadas à perda da criatividade e ao parar de brincar porque adaptam-se às condições oferecidas pela escola e, nas salas de aula, pela visão da professora do que é certo ou errado. Deixam de criar. Brincar é uma interpretação da realidade e é importante para que a criança desenvolva a sua própria concepção da vida. Hoje pode ser observado que há uma falta de compreensão com o que é ser criança. Cobra-se demais. Desconsidera-se a fase de formação, crescimento e aprendizado. Satiriza as crianças que não sabem e que possuem dificuldades pessoais. Não existe paciência. Do ponto de vista da escola, as crianças transformaram-se em máquinas.
A pesquisa tece uma perfeita crítica ao ensino atual, fazendo observações a respeito da fábrica de mão-de-obra, "preocupando-se mais com as demandas mercadológicas do que com a obtenção do conhecimento". (p.173). Estamos regredindo para antes do que foi conquistado no século XIX, onde a criança não tinha importância em sua individualidade (em termos psicológicos e de crescimento pessoal), avançando estágios e desconsiderando o próprio processo de desenvolvimento.
Pelos fatos narrados provenientes das entrevistas com os docentes, nitidamente observa-se o desinteresse com relação à formação emocional e psíquica das crianças, dando enfoque apenas para a alfabetização direta. As crianças perdem a vez e a voz e passam a agir de acordo com uma sociedade capitalista desde cedo. As vontades e as individualidades não contam mais. Tudo passa a ser tratado com especificidade técnicas, desconsiderando as humanas e individuais. Isso gera uma alienação com relação às outras esferas da vida humana, fazendo com que o indivíduo aja mecanicamente sem levar em consideração seus interesses pessoais, íntimos, individuais e empíricos.
A apostila deveria ter função como um material de apoio contendo o conteúdo pedagógico básico de ensino. Entretanto faz com que as aulas sejam maçantes, fixadas em um único processo onde há pouca interação com a evolução da criança como pessoa individual. São poucos os projetos e atividades diferenciadas que são oferecidas pela escola e pouco tempo é ofertado para brincadeiras livres. Não há sequer uma tentativa de dosagem. Deveria ser estimulado o desenvolvimento da criança partindo do que ela traz em termos socio-culturais, de sua individualidade, ou seja, de acordo com a sua necessidade.
Considerações pessoais finais:
Todo o processo de evolução humana está sendo precoce. A alfabetização é um outro processo que está acontecendo na mesma velocidade que a nossa evolução. A escolaridade precoce seria mesmo prejudicial à criança? Penso que precisa haver um equilíbrio entre as duas partes: brincadeiras lúdicas e técnicas de ensino. Essa antecipação natural do desenvolvimento da criança, a inteligência e a curiosidade mais aguçadas desde cedo, são princípios que devem sim ser tirado proveito, respeitando a mentalidade e o espaço de brincar da criança. Isso facilitaria a aprendizagem em muitas áreas do conhecimento pois é todo um processo psíquico que está em formação, não sendo apenas emocional.
O cérebro possui a incrível capacidade de absorver todas essas informações ao mesmo tempo. Defender o ensino antecipado não é ignorar a infância das crianças. As crianças estão cada vez mais inteligentes, mais espertas e com o aprendizado mais rápido e antecipado, é completamente válido o ensino fundamental iniciar aos 6 anos, desde que não seja em detrimento de atividades infantis, das brincadeiras. É necessário bom senso e discernimento para não incentivar um desenvolvimento prejudicando o outro. Porque é, sim, possível a realização de todas essas atividades. Dependerá da escola, dependerá do professor e da sua sensibilidade para com o ser humano em formação. A educação precisa ser trabalhada como um incentivo ao desenvolvimento pessoal da criança, à criatividade, às suas visões pessoais.
O erro está nos professores que seguem mecanicamente aquilo que lhes foi proposto, sem observar as peculiaridades das crianças, sem se importar se estão gostando, se estão felizes. Isso é muito facilmente observado através das entrevistas realizadas (incorporadas à redação do livro). O fim da inocência das crianças e das brincadeiras se dá devido a incorporação da tecnologia em todos os cantos da vida nessa nova era: televisão, computador, internet, videogames. O abandono às tradições e às atividades criativas, pensadas.
Se o ensino for inserido e tratado de forma correta, ele pode ajudar muito no interesse da criança por aprender desde cedo. Considerar professor e aluno como passíveis de atividades cooperativas para que então todos, com auxílio, possam desenvolver suas habilidades e potencialidades naturais. Diferente dessa fragmentação de conteúdo, impedindo a compreensão geral da relação de uma com a outra, uma reflexão sobre a própria cultura, sobre causas, consequências, processos.
Estamos falando de identidades.