Carol 17/10/2020Impressões da CarolLivro: Cidades afundam em dias normais {2020}
Autora: Aline Valek {Brasil, 1986-}
Editora: Rocco
256p.
Por conta da seca prolongada no Cerrado, uma cidade submersa, há dezesseis anos, retorna à superfície, trazendo não só suas ruínas como também as memórias de seus ex-moradores, aqueles que a viram ser engolida pelas águas.
Ao saber que Alto do Oeste reapareceu, a fotógrafa Kênia Lopes retorna à cidade onde cresceu em busca de fotos e de respostas: o que faziam os moradores enquanto a cidade afundava?
A partir das filmagens do documentário, que ela e Facundo começam a rodar e da leitura do diário de uma jovem, que permaneceu na cidade até seu fim, o leitor tece a sua versão da história, pois como o narrador informa:
"As fotografias e depoimentos reunidos nesta exposição são, acima de tudo, um retrato de ruínas impossíveis de reconstruir: uma cidade aos pedaços, relações que se romperam, pessoas que partiram." p. 9
Além do talento para a escolha títulos maravilhosos e de ter previsto a nota de 200 reais com um lobo-guará, Aline Valek cria personagens interessantes como poucos. Dias após o término da leitura, continuo fascinada pelo padre náufrago e pela professora de história que tem por desígnio preservar memórias.
A presença do diário e o narrador que nos conta a trama em retrospecto é outra boa sacada. O leitor se sente um explorador, encaixando as pecinhas do enredo e percebendo que, inevitavelmente, na vida, uma ou outra peça será extraviada (filosofei a la Karnal, agora).
E, por fim, não menos importante, a escrita, que é um espetáculo:
"As boias iam penduradas aqui e ali, e não passavam a impressão de estarem confiantes quanto à sua capacidade de cumprir o papel que lhes cabia, caso fosse preciso jogá-las no lago. Faltava a elas a autoestima característica das boias, infladas, firmes, seguras de que flutuavam. Serviam no máximo como um lembrete: 'vai achando que isso aqui não pode afundar, se essa cidade inteira já afundou." p. 19
"Cidades afundam em dias normais" é um dos destaques desse ano de boas leituras. Literatura contemporânea nacional. Indico para todo mundo, sem ressalvas.