Natálie 14/05/2014Alma de letras...O desfecho de uma fantasia cheia de aventuras, "Morte de Tinta" é a narrativa da última aventura de Mo, sua filha Meggie - e todos os seus amigos - que devem deter o cruel Cabeça de Víbora, que vem espalhando cada vez mais caos por Ombra e todo o Mundo de Tinta.
Na luta contra a Víbora, Mortimer se vê forçado a interpretar mais de um papel no universo de Fenoglio, e tem que se lembrar de nunca mistura-los, pois mesmo o Gaio existindo dentro dele, suas virtudes e erros sendo as mesmas, elas tem potências diferentes. Gaio tem o instinto de salvar proteger e o coloca acima de tudo. Já Mo, apesar de ter este instinto, é mais prudente e responsável. Mas será que ele conseguirá lembrar-se de quem ele é - ou quem ele realmente, no seu mundo? Ele precisa, mesmo sem saber que isto terá o poder de livra-lo do tormento das palavras futuramente lidas.
"A última canção já havia sido lida."
Meggie nossa heroína, não só terá que lidar com as tristezas e alegrias do seu primeiro amor, mas com seu magnífico dom, e sua imensa coragem ela terá também um papel decisivo.
Desgastado, fedido e com a carne podre, Cabeça de Víbora quer vingança, tanto contra o Gaio, quanto a todos os seus amigos ou conspirantes; isso faz com que nossos secundários tenham cada vez mais destaque na trama. Os ladrões, crianças-soldado, e todos os dispostos a acabar com o reinado a da Víbora vão lutar, não só espada a espada, mas de todas as formas possíveis. Pois, nesta história, o que vale uma espada contra papel e tinta?
Dentro de um mundo mágico, na presença de homens de vidro, mulheres de musgo, fadas, gigantes, elfos de fogo... cada detalhe ao lado de nossos companheiros é importante, cada detalhe que vai da Toca da Víbora as distantes Montanhas do Norte. Prepare-se pois lutaremos contra soldados, veremos as palavras acabarem com vidas (ou as dar), perderemos amigos, recuperaremos amigos e selaremos um acordo com a Grande Mutação. A única habitante de todas as histórias, de todos os mundos e páginas. A Morte.
- Você é a morte. [...]
- Sim, é como me chamam [...] Eu sou o início e o fim, isso sou eu [...] Passado e renovação. Sem mim, nada nasce, porque nada morre sem mim."
Meu humilde resumo não consegue explicar bem os acontecimentos, nem os outros assuntos a serem resolvidos neste (incrível) desfecho.
A história certamente é uma das melhores que já li - se não a melhor -, desde o primeiro livro, que li quando era criança, me encanto com o universo criado por Cornelia. Eu já disse que ela é uma maestra excepcional conduzindo uma orquestra com a maior perfeição possível. Disse em outras palavras, mas agora, explicadamente posso afirmar isto, seu universo é perfeito, incrível, mágico e maravilhoso. Não vou poupar elogios a história, nem as mensagens incríveis passadas entrelinhas.
"Quando se visitava a morte, provavelmente esquecia-se o que era o medo."
O final foi mágico, não esperava isto, foi realmente muito imprevisível. Por exemplo, eu que já estava satisfeitíssima com a quantidade (e tipo) de fantasia da história, fiquei impressionada com o modo como a autora acrescentou mais coisas a ela, praticamente criando uma espécie de 'mitologia própria', eu admiro muito isso, o como ela (Rowling, Tolkien e outros) introduziu suas próprias e únicas idéias ao livro é uma coisa notável. E apesar do Mundo de Tinta ser um universo fantasioso - digno dos sonhos de qualquer criança - ele não é somente assim, nesta história o mal nunca é irreal. Ele pode estar escondido, mas ele sempre estará ali. A passagem de um livro da trilogia para o outro mostra isso. Em Coração de Tinta nós vemos uma crueldade imensa, mas 'suportável' (se é que podemos dizer isto), já em Sangue de Tinta começamos a ver que ela não está só em um mundo, mas em todos, e em Morte de Tinta não temos NADA a esconder. Ódio, brutalidade, crueldade, ganancia, inflexibilidade, vingança, violência imensa... O mundo mágico não é formado só por fadas e seres maravilhosos, os vilões tem também seu papel, e infelizmente o interpretam muito bem. Não só em um, mas em todos os mundos. E neste ultimo livro, a maldade está bem aparente, e muito bem personificada em atos. Achei que isto amadureceu a história, desde Sangue de Tinta para cá nada é escondido. Objetivos maldosos são postos em batalha e a luta entre o bem e o mal é sangrenta e tensa.
"Eles não eram feitos de nada além de escuridão, de maldade para a qual não havia esquecimento ou perdão, até que eles se apagassem, consumindo-se a si mesmos, levando consigo tudo o que haviam sido um dia."
Indo a escrita da autora... continua a mesma, explicativa mas sem ser massante, agradável e faz com que devoremos rapidamente o livro (que é um monstro). Fora que nos faz imaginar perfeitamente o que é descrito, pois realmente, Funke sabe escrever bem, e o modo e mostrar o ponto de vista de cada personagem faz tudo ficar mais rápido e interessante.
Achei também muito bom o desenrolar da história, o grande acordo de Mo com A Grande Mutação, a volta de um personagem querido, e a adição de personagens coadjuvantes. Esse último fator foi essencial, percebemos que o motivo dessa história possuir tantos personagens não é encher linhas e páginas, e sim o papel que eles vão ter. Todos eles tiveram um papel importante na história, principalmente os coadjuvantes que foram elevados, como Violante, Príncipe Negro, Elinor, Baptista... e o descarado, infeliz, filho de uma mãe do Orfeu. Sim, Orfeu, aquele ser insuportável que não é minimamente amado por ninguém (tanto por leitores quanto por personagens), eu odeio ele, mas tenho que admitir que o papel dele foi super importante e que ele 'amadureceu' - não é exatamente esta a palavra. A única coisa que eu não achei legal foi a mudança drástica de um romance maravilhoso que eu shippei com todas as minhas forças desde... sempre eu realmente NUNCA imaginei este fim, e nunca vou me conformar com ele.
Agora os cenários são uma coisa inexplicável, Ombra já é uma coisa maravilhosa de se imaginar, e seus arredores são impagáveis! Cornelia cobre os pontos cardeais de Norte a Sul com maravilhas inimagináveis. O novo castelo, as Montanhas ao Sul, tudo, definitivamente tudo foi feito para lhe encantar.
"Talvez, no final, este mundo fosse feito de sonhos, e um velho homem apenas havia encontrado as palavras para eles."
Vou observar também o trabalho da editora com o livro; Eu esperava um livro impecável, assim como seus antecedentes, mas a Cia. das Letras (Seguinte), deixou erros de português aqui e ali. Fora isto, o resto está de acordo, boas texturas, figuras e capas incríveis e seus capítulos iniciais com as frases escolhidas da autora.
Preciso parar de falar, então vou logo ao ponto mais importante da resenha.
No primeiro livro nós imaginamos como deve ser o Mundo de Tinta, como Resa viveu lá, mas fazemos isto enquanto estão todos no nosso mundo. No segundo Meggie, Farid, etc... são transportados ao lugar que queriam, Ombra, para dentro do universo de Fenoglio. E neste último volume eu percebi uma coisa maravilhosa. Cornelia não levou só seus personagens para lá, mas a mim também. Eu não percebi de cara, mas quando me dei conta eu já estava lá. Vivendo no universo de tinta. Um livro dentro de um livro.
"A realidade quase sempre é diferente do que contamos sobre ela, mas você sempre trocou as palavras e o mundo real [...] Você nunca soube diferenciar o seu desejo da realidade."
Outra das coisas lindas que ela passa é que nós nunca, NUNCA, estaremos completamente satisfeitos com a nossa realidade. Quem nasceu no Mundo de Tinta tem uma curiosidade imensa sobre o nosso mundo, e assim como nossos protagonistas iniciais, se possível eles mudariam para cá. É uma coisa sem noção mas... é a verdade. Não estamos satisfeitos com o que está a nosso alcance.
Quero encerrar isto com palavras bonitas, mas enigmáticas. Se você ler a trilogia vai entender esta minha finalização.
E a mensagem primordial - Dúvida primordial - depois de tudo que é passado para nós ao decorrer dos livros é a mesma do próprio Fenoglio:
" Não seremos também, personagens de um livro que está sendo escrito por alguém? "
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http://www.nossosmundos.com/2014/05/resenha-24-morte-de-tinta-cornelia-funke.html#.U3QpzYFdUlA